Modelo de educação para o Brasil vem do Ceará

Foto Cecília Bastos/Jornal USP

Escola Estadual Adauto Bezerra, em Fortaleza, aprova anualmente centenas de estudantes em universidades públicas ou privadas com bolsas integrais

“Meu sonho é cursar matemática na federal para ser professor e dar aula aqui no Adauto”. Foi a primeira vez que ouvi isso de algum estudante. No entanto, não foi a última e as outras duas foram de alunos do mesmo colégio. Fiquei muito impressionado, um tanto quanto surpreso na verdade, com tamanho senso de pertencimento.

Estive em Fortaleza há algumas semanas e tive a oportunidade de conhecer as turmas de ensino médio da escola estadual Adauto Bezerra, um dos maiores colégios públicos estaduais da capital cearense. Estive lá por três dias e falei com todas as mais de 40 turmas de ensino médio.

Durante todo o meu período no colégio, mantive a mesma sensação de encantamento. Fiquei especialmente surpreso com a organização e o senso de pertencimento e acolhimento dos alunos, e com o fato de que a escola tem anualmente centenas de estudantes aprovados em universidades públicas ou em privadas como bolsistas integrais. Nesse contexto, é uma escola pública de referência e acredito que merece atenção e ser estudada como um caso de sucesso.

Fiquei impressionado com o quanto os alunos, professores e coordenadores gostam e respeitam o diretor do colégio. Há um carinho tão grande por ele que emociona. A Marília, coordenadora pedagógica e ex-aluna, me contou que, quando está no colégio, ele não para em sua sala e está sempre andando para ver e falar com os alunos, pois genuinamente se preocupa com eles.

Para entender mais sobre os bastidores do colégio, tive a chance de falar com ele, o diretor, Otacílio de Sá Pereira Bessa. Sua formação é em geografia pela UECE (Universidade Estadual do Ceará), e desde 2005 atua como diretor escolar. Começou sua gestão no Adauto Bezerra em 2013.

Foto Lourdes Grentz

Ele reconhece que os desafios da equipe escolar podem variar inclusive de acordo com questões geográficas: “Uma escola da periferia gasta muito de sua energia para conseguir manter o(a) estudante estudando, ou seja, que ele(a) não abandone a escola em função da necessidade financeira, da falta de estrutura na região, das facções que atuam nos bairros impondo limites de mobilidade, que não ingresse no mundo do tráfico pela influência que sofre. Por si só, as escolas que conseguem vencer essa queda de braço em algumas regiões das zonas urbanas ou, contra outras situações específicas, nas zonas rurais, podem ser consideradas como objetivo atingido”.

Em seu colégio, no Adauto Bezerra, o trabalho da escola é pautado em três pilares.

Primeiramente, ele entende que há uma heterogeneidade entre os alunos, mas encara isso como algo positivo. “Existem estudantes de diversas camadas sociais e que se deslocam de formas diferentes. Assim como vindos de diferentes credos, religiões, defesas políticas, diversidade de gêneros. Esse destaque é para mencionar que esse caldo cultural é bastante valorizado pela escola, criando-se a cultura do respeito às diversidades através de debates, palestras, eventos culturais organizado pelos(as) próprios(as) estudantes e fortalecendo um sentimento de pertencimento em relação à escola, de valorização individual (da sua própria autoestima) e de construção de uma convivência harmônica do coletivo. Entendemos que esse protagonismo é o primeiro passo para o(a) estudante entender e construir, com os seus próprios conhecimentos prévios e a partir das suas novas experiências, um novo caminho para alcançar os seus objetivos.”

Essa política de acolhimento é somada a uma política pedagógica de introdução ao universo do ensino superior. “Desde o seu primeiro dia de aula dentro da escola, na 1ª série do ensino médio e enquanto ele permanecer conosco, o mundo das profissões, dos cursos, das instituições de ensino superior (principalmente as públicas) e seus portais de entrada são temas que irão permear todas as falas dos(as) professores(as), da gestão, da equipe pedagógica, repetidamente para que haja um convencimento da importância dessa caminhada para os(as) estudantes filhos e filhas da classe trabalhadora.”

Por fim, ele destaca: “A defesa incondicional da educação pública e da escola pública de qualidade para esse público mencionado. Dessa forma, os(as) estudantes são convidados(as) a conhecer melhor o universo das escolas públicas, a participarem de movimentos estudantis em defesa dessa modalidade de ensino que contempla mais de 80% dos(as) estudantes do ensino médio em todo o país.”

Para mim, conhecer os bastidores fez todo o sentido e já não é mais uma grande surpresa que a escola seja como é. Lembro-me de um cartaz estampado bem na entrada com a evolução da quantidade de aprovados e, novamente, fiquei impressionado. Em 2009, tiveram 25 aprovações, e a partir de 2014 passou a ser anualmente mais de 300. Sem dúvidas, fruto do árduo trabalho em equipe por trás e da valorização do estudante como agente ativo da educação pública.

Sobre isso, Otacílio destaca: “A experiência vivenciada por nós nos faz crer que o impacto do efeito escola para potencializar os estudos, para fortalecer a autoestima, para ampliar os horizontes de cada estudante e para criar uma cultura de respeito à diversidade é muito intensa. Há cerca de 15 anos, quando se iniciou esse processo, na primeira gestão do professor Humberto Mendes, a escola estava com salas fechadas e houve uma reorganização na proposta política pedagógica, já mencionada, onde aos poucos a própria comunidade escolar passou a ser a divulgadora para a sociedade dos resultados e das características que adjetivavam a escola. Aos poucos, a escola passou de salas fechadas para uma lista imensa de espera para a matrícula, como nos dias atuais.”

Há colégios como o Adauto por todo o país, em que as equipes conseguiram se organizar em prol da educação pública de qualidade e com muito esforço e trabalho alcançaram resultados incríveis, que podem servir de inspiração para outros colégios. É muito importante que suas atuações sejam exaltadas e estudadas, pois esses agentes estão de fato nas escolas e salas de aula, e isso os enriquece de conteúdo e poder de transformação.

Vozes da Educação é uma coluna quinzenal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do programa no Instagram em @salvaguarda1

Por Vinicius de Andrade – DW.com