Governo Federal deverá investir tempo e recursos na reconstrução dos órgãos públicos ambientais
A deputada federal eleita Marina Silva (Rede-SP) reassumiu recentemente (04/01/2023), o Ministério do Meio Ambiente e da Mudança do Clima, pasta que comandou entre 2003 e 2008. Em seu discurso de posse, Marina afirmou que a “política ambiental brasileira está no mais alto nível de prioridade do governo“. Segundo a ministra, o último governo foi marcado por um verdadeiro esvaziamento das funções do ministério, que foram repassadas para outros órgãos. “Boiadas passaram num lugar onde deveriam passar apenas políticas de proteção ambiental. O estrago não foi maior porque a sociedade, servidores públicos e alguns parlamentares se colocaram à frente desse processo de desmonte“, destacou.
Apesar de todo otimismo à frente, o Governo Federal deverá investir tempo e recursos na reconstrução dos órgãos públicos ambientais e uma extensa revisão das políticas públicas de meio ambiente, o que criará novas demandas, inclusive emergenciais, aos estados e municípios.
A desarticulação dos órgãos públicos, como ocorreu com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais – Ibama, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE, expôs a vulnerabilidade do aparato técnico e jurídico de proteção ao meio ambiente. Apesar de sabermos que a proteção ao meio ambiente esteja expressa em nossa Constituição Federal, sustentada por um complexo sistema normativo e estruturado nos três entes federativos, ela foi extremamente negligenciada.
Em decorrência desta reestruturação das políticas ambientais a nível federal, a reconstrução exigirá a redefinição, também, do papel de cada instituição pública, seja ela federal como estadual. Muito além de restabelecer normativas e novas proposições, também será necessário redefinir o papel do agente público e na construção de indicadores de sustentabilidade.
Indicadores de sustentabilidade permitem mensurar os principais aspectos do crescimento econômico que influenciam a todos e, que ajudem a dar um sentido mais tangível e concreto para fatores que muitas vezes são abstratos para a maioria da população, como a qualidade de vida das pessoas e o nível de vulnerabilidade de um ecossistema, por exemplo. Os indicadores organizam e sistematizam um amplo conjunto de informações sobre um determinado tema em um território. Eles permitem a identificação de fenômenos temporais e espaciais, a observação e análise de cenários, o monitoramento de ações do governo e a avaliação dos impactos de uma política pública. Além de fornecer subsídios para a elaboração de diagnósticos em diferentes níveis espaciais os indicadores também são um instrumento para a realização de prognósticos, para a identificação de cenários e tendências e para a construção de uma visão de futuro que aponte o lugar a que se quer chegar. Entretanto, a falta destes indicadores expõe as deficiências do planejamento estratégico de um governo, que não considera a previsibilidade de ações emergenciais, como ocorreu recentemente no combate às queimadas no Pantanal, por exemplo.
Quando dados e informações são disponibilizados de forma transparente e acessível, eles se tornam fontes valiosas para a população acompanhar e monitorar as ações do poder público. Nesse sentido, a existência destes indicadores são um estímulo à participação cidadã no debate de políticas públicas e contribuem para fortalecer a democracia e a prestação de contas permanente da gestão. Para que a função de controle social possa ser efetivamente desempenhada, é necessário que o acesso aos dados seja garantido para toda a sociedade.
Os indicadores de sustentabilidade apontam, aproximam e traduzem em termos mensuráveis as várias dimensões ou recortes de uma determinada realidade. Por meio deles, é possível analisar a evolução no tempo e no espaço dos diferentes aspectos da transversalidade dos temas de meio ambiente, saúde, educação, economia, cultura e da vida local e traçar um conjunto de estratégias de acordo com as necessidades. Os indicadores de sustentabilidade são a linha de base para o início da sistematização das informações e, em um segundo momento, para um planejamento mais consistente das ações de governo – processo fundamental para a inclusão de temas relevantes nas agendas públicas governamentais.
Para que a sociedade civil participe do cenário político, assim como das decisões de governo, é necessário também que os cidadãos tenham conhecimento adequado por meio de informações públicas confiáveis e de qualidade. O próprio processo de construção de informações propicia o fortalecimento da cidadania, uma vez que o trabalho com indicadores também pressupõe um entendimento anterior que extrapola suas características instrumentais.
Ao realizar uma avaliação conjunta dos dados e informações, é possível integrar diversos atores sociais e traçar metas conjuntas nas quais fatores econômicos podem estar em concordância, por exemplo, com fatores ambientais – e estes, por sua vez, relacionados diretamente com indicadores de saúde. Isso contribui para uma visão sistêmica dos diferentes campos de atuação do poder público e facilita a adoção de políticas integradas, que considerem as convergências possíveis entre diferentes áreas da estrutura administrativa do governo.
Atualmente, os recursos tecnológicos podem, por meio de ferramentas digitais, constituir sistemas de dados abertos oferecidos publicamente por meio da internet, permitindo não apenas sua visualização como também seu processamento e download para outras análises e processamentos de interesse da sociedade. Levantar indicadores é revelar e dar publicidade à informação, é torná-la disponível para a sociedade, é reconhecer que este é não só um direito de todos os cidadãos, mas também um recurso básico para a gestão pública e para a participação social. Com a disponibilização dos indicadores de sustentabilidade, a sociedade passa a ter maior poder de fiscalização do gasto público, exigindo o uso mais eficiente, eficaz, efetivo e socialmente justo dos recursos e a reorganização das atividades de planejamento em bases mais técnicas e sustentáveis.
A criação de uma legislação própria no Estado para o planejamento integrado, deve considerar tanto o levantamento e a disponibilidade de dados estatísticos quanto a adoção da participação cidadã como método de gestão local. Desse modo, criam-se condições essenciais para que seja feita a integração das informações territoriais e administrativas, assim como dos diversos setores da sociedade civil local nas atividades de planejamento e gestão.
Precisamos urgentemente de dados abertos como aqueles que podem ser livremente acessados, utilizados, replicados, modificados e compartilhados para qualquer finalidade – basta que o usuário cite sua fonte e sua abertura. Para que um dado seja considerado aberto, ele precisa estar disponível na internet de forma gratuita, sem contrapartidas para sua utilização, acesso ou replicação e em formato compreensível para ser processado da forma mais ampla possível. Sua utilização, portanto, está diretamente relacionada à publicidade de informações com a finalidade de universalização do conhecimento.
Pelas peculiaridades econômicas e ambientais deste Estado, a divulgação de dados e informações é imperativo. Os dados devem ser disponibilizados em sua íntegra, sem nenhum recorte e da forma mais próxima àquela coletada na fonte, de modo que o usuário possa definir o melhor meio de explorá-los. Além disso, sua licença deve ser livre, sem proprietário, e permitir que qualquer indivíduo possa obter acesso, independentemente de registro ou identificação. Por fim, os dados também devem ser divulgados em formato compreensível por qualquer computador, por meio de programas livres (softwares livres), permitindo seu processamento integral e de forma mais ágil a contar de sua coleta, garantindo-se a relevância.
Lembramos que o Art. 37 da Constituição Federal traz a publicidade como princípio da administração direta e indireta, o que impõe um dever de transparência não só com relação às decisões em si, mas também sobre todo processo decisório, inclusive os dados e as informações que o influenciaram. Nessa mesma linha, a Lei 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação) regula a publicidade de informações, especificando o dever de fornecimento de dados, sobretudo nos art. 3o. 8o e 30. Mais recentemente, o Decreto Presidencial 8.777/2016 criou a Política de Dados Abertos do governo federal, com o objetivo de ampliar o fornecimento de informações e estatísticas sob o controle do Estado, buscando aumentar a transparência e propiciar o controle social (Art. 1o.), fomentando também as pesquisas em gestão pública.
A abertura de dados, portanto, é um desdobramento natural do próprio princípio da publicidade da administração pública, assegurando o amplo acesso a todo tipo de dado, incluindo indicadores que sirvam como subsídio para a toma da de decisões ou, ainda, para monitorar a eficiência e os custos de determinada política, obra ou serviço. São, portanto, dos mais importantes subsídios para a formulação de políticas públicas e para o exercício do controle social. Veja o exemplo do Estado de São Paulo, que através do Decreto No. 55.559/2010, viabilizou a transparência de dados e informações, anos antes da iniciativa federal.
As justificativas para a implementação de uma política de dados abertos em Mato Grosso do Sul são as mais variadas. Vão desde os benefícios que ampliam a capacidade de análise com diferentes abordagens e atores sociais até a própria noção de que, se esses dados foram coletados mediante financiamento e interesse público, devem estar voltados a toda a sociedade, e não apenas a determinados setores com autorização prévia. Esperamos que Mato Grosso do Sul acompanhe o Governo Federal e crie a sua Política de Dados Abertos, para que possamos ter acesso aos indicadores e, assim, apoiarmos na construção de um estado sustentável e justo para todos.
Por Thomaz Lipparelli – Biólogo e professor