O tom da superação

Na comunidade de Furnas do Dionísio as crianças aprendem desde cedo o superar os desafios. Foto Divulgação

No dia da consciência negra, comunidade quilombola dá exemplo de superação através do campo

Nas Furnas do Dionísio, a comunidade quilombola encontra no campo mais que um meio de sobrevivência, vê um meio de superação. É o caso da acadêmica, Vera Lucia Rodrigues dos Santos, de 37 anos, que é acadêmica do curso Educação no Campo, da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), que procurou na educação contribuir com o desenvolvimento do seu povo.

O relato de Vera mostra a realidade das dificuldades de uma mulher quilombola e mostra como o campo virou uma oportunidade. “Não é o curso que sonhei desde pequena, mas é voltado para a escola do campo”.

Vera fala isso justamente porque o Quilombo tem como sua atividade econômica principal a agricultura familiar. “Minha comunidade tem professores que não são da comunidade, são de Jaraguari e de Campo Grande, então temos que formar professores da nossa comunidade, temos que ter nosso povo dando aula, das pessoas que sabem as nossas vivências dificuldades e culturas, que a gente consiga a escola na comunidade local e vice-versa. Essa é minha escolha”.

“Comecei a estudar este ano, mesmo com pandemia e estou muito feliz por ter passado no vestibular. Eu já fiz dois semestres de pedagogia, mas por conta da dificuldade, da distância, dos filhos pequenos, tive que parar. Junto com uma amiga fizemos um curso preparatório e fomos aprovados”.

A preocupação de Vera e a importância da agricultura familiar para a comunidade local são reafirmadas pelo presidente da Associação, Nilson Abadio Martins. “O nosso maior desafio, em termos de produção, é conseguir vender e valorizar nossos alimentos. Como a nossa propriedade é de herança, recebida de geração a geração, precisamos regularização”, afirma o representante da comunidade que cita, ainda o apoio da Agraer (Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural) para a questão burocrática e administrativa local.

“Atualmente negociamos, com auxílio da Agraer, na Ceasa, em Campo Grande. Produzimos hortaliças, farinha, rapadura, melado, açúcar mascavo, maxixe, jiló…”, reforça Martins que considera ainda as dificuldades para os negros em Mato Grosso do Sul. “Hoje a maior dificuldade negra em nosso Estado ainda é acessar universidade, ocupar uma cadeira onde deveria estar no colégio, dando aula, no lugar de alto escalão, a comunidade negra ainda é pouco vista, enfrenta dificuldades devido à baixa escolaridade, pouco estudo, fica difícil acessar o ensino superior e cargos importantes, delimitando as pessoas a lutar mais e buscar seus objetivos. A dificuldade ainda é grande”.

O técnico da Agraer, Marcílio Caceres, ressalta que a instituição pública visa fazer a ponte e fornecer assistência técnica para ampliar a rede de vendas da comunidade. “Damos o suporte à produção de hortifrutigranjeiros. A parte comercialização, de levar a associação à Ceasa, em um espaço específico, rapadura, melado, farinha, o que eles levarem, eles comercializam”.

Segundo o presidente Nilton, as comemorações na Comunidade Quilombola pelo Dia da Consciência Negra foram interrompidas devido à pandemia.

Já para a subsecretária de Políticas Públicas para a Promoção da Igualdade Racial do Estado de Mato Grosso do Sul, Ana José Alves, ainda há um longo para se percorrer quando o assunto é igualdade racial, porém, políticas públicas podem diminuir essa lacuna. “O governo afirma e reafirma seu compromisso com as políticas da promoção da igualdade racial foi aprovado o projeto ms quilombola que consiste na realização do diagnóstico socioeconômico e cultural ambiental das 22 comunidades quilombolas, que ficam localizadas em 15 municípios. O dia 20 é um dia de celebração da cultura, das culturas relativas a nossa população. Somos 54% da população e em MS somos aproximados 50% de pretos e pardos”.

Não é mimimi. Diga não ao preconceito estrutural

Nilton, presidente da comunidade, mostra atividade que conta com o suporte da AGRAER. Foto Divulgação

Entre os problemas econômicos e a luta pelo crescimento, o que mais pesa, segundo a avaliação da Vera ainda é o preconceito estrutural, ou seja, aquele que não é dito ou expressado diretamente e sim por atitudes.

“Eu já sofri preconceito e sofro até hoje. Uma vez me disseram que uma pessoa estava procurando alguém com urgência para trabalhar em buffet e eu me ofereci, após ver minha foto pelo whatsapp a pessoa mudou de ideia rapidamente, depois descobri que era por causa da minha cor. Quantas vezes entro numa loja e ficam me seguindo, quantas vezes entrei num restaurante e não vieram me atender?”, reforça Vera: “não é mimimi. Falam que o Brasil é um país que não tem racismo, nem preconceito, mas não é verdade. A escravidão foi cruel, acabou com o nosso povo e ainda temos que ouvir: aonde se viu dar cotas”, ressalta Vera.

O Brasil foi o último país do continente americano a abolir a escravidão, em 1888, no dia 13 de maio e com poucas garantias aos, então, libertos. O Dia Nacional da Consciência Negra, comemorado no dia 20 de novembro, tem como finalidade além de homenagear, resgatar as raízes do povo afro-brasileiro e é comemorado no Brasil no dia 20 de novembro. Esta data foi restabelecida pelo projeto lei número 10.639, no dia 9 de janeiro de 2003, porque coincide com o dia 20 de novembro de 1695, dia da morte de Zumbi dos Palmares, grande líder da resistência negra e da luta pela liberdade, autor da célebre frase: “Nascer negro é consequência, ser negro é consciência”.

Por Ana Brito, Subcom – Governo de Mato Grosso do Sul