Com a mão do presidente

Deputado Arthur Lira do Progressistas AL é o presidente da Câmara dos Deputados. Foto Dida Sampaio/Estadão

Como a interferência de Bolsonaro mudou o rumo da eleição para presidente da Câmara

No começo de janeiro, o deputado Baleia Rossi (MDB-SP), candidato do atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), parecia estar no caminho para ganhar a presidência da Casa contra Arthur Lira (PP-AL), apoiado pelo governo de Jair Bolsonaro (sem partido).

No começo de janeiro, os partidos na coalizão de Baleia chegaram a somar 261 deputados — enquanto Lira tinha em torno de si apenas 195 parlamentares.

Ao longo do mês, porém, a situação se inverteu: depois de muitas promessas de liberação de verbas; de corte de cargos de “traidores” e até de negociações em torno de uma reforma ministerial, Lira chegará à eleição desta segunda-feira (1º/02) com um bloco consideravelmente maior que o de Baleia.

Na noite de domingo (31/01), a candidatura do emedebista recebeu o golpe de misericórdia: tanto o DEM quanto o PSDB abandonaram a coalizão — o que praticamente encerra as chances de Rossi nesta segunda, e sacramenta Lira como o próximo presidente da Câmara.

Aliados do alagoano já falam até em vitória no primeiro turno. O número necessário para isto depende da quantidade de votantes: se todos os 513 deputados votarem, serão precisos 257 apoios.

Atual presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. Foto Sérgio Lima

“Eu sou muito conservador com isso. Acho que o Arthur tem entre 280 e 290 votos”, disse à BBC News Brasil na tarde de sábado (30/01) o deputado Marcelo Ramos (PL-AM). No começo de janeiro, Lira prometeu ao amazonense o posto de vice-presidente da Câmara.

“Se o PSL se mantiver conosco, o que tudo indica que sim; e o DEM e o Solidariedade blocarem conosco, aí acho que tende a alargar essa diferença. Acho que, neste cenário, o Arthur pode ter mais de 300 votos”, disse Marcelo Ramos à BBC antes da decisão do DEM e dos tucanos.

Os blocos precisam ser formalizados até as 14h desta segunda-feira (1º/02).

Caso o DEM e o PSDB decidam apoiar formalmente Arthur Lira, o bloco comandado por ele também terá direito a indicar os principais postos na Mesa Diretora da Câmara.

As ações do Planalto em favor da candidatura de Lira não passaram despercebidas em Brasília. “A intenção do presidente (Bolsonaro) é transformar o Parlamento num anexo do Palácio do Planalto”, reclamou Rodrigo Maia no fim de janeiro.

“A forma com o governo quer formar maioria não vai dar certo, porque essas promessas (de emendas) não serão cumpridas em hipótese alguma. Não há espaço fiscal”, disse o presidente da Câmara.

Um dos principais aliados de Lira, Ramos diz que há outros fatores que explicam a adesão ao candidato.

“Não é só a força do apoio do governo. É que realmente o Arthur tem mais simpatia do plenário que o Baleia”, diz Marcelo Ramos.

O Deputado Baleia Rossi, do MDB, perdeu força nas últimas semanas. Foto Reuters

“Se deve ao fato de que, com todas as qualidades e defeitos, o Arthur é um deputado de plenário. Está lá presente negociando. Que conversa com todo mundo, conhece todos os deputados pelo nome. E o deputado Baleia, até por características pessoais dele, e isso não é uma crítica, é um deputado de mais diálogo na cúpula, e não na base do plenário”, opina ele.

O próprio Jair Bolsonaro, no entanto, já admitiu em mais de uma ocasião que está trabalhando para influir no resultado da disputa na Câmara.

“Vamos, se Deus quiser, participar, influir na presidência da Câmara com esses parlamentares, de modo que possamos ter um relacionamento pacífico e produtivo para o nosso Brasil”, disse Bolsonaro, após uma reunião com deputados do PSL na manhã de quarta-feira (27).

Inicialmente alinhado a Baleia Rossi, o PSL passou para o lado de Lira em 21 de janeiro, ajudando a ampliar a vantagem do alagoano. Além do partido comandado por Luciano Bivar (PE), também mudaram de lado o atual vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira (Republicanos) e o próprio Marcelo Ramos, entre outros.

Bolsonaro está ‘correndo atrás do prejuízo’

Para a cientista política Beatriz Rey, Bolsonaro é mais ‘agressivo’ nas negociações que seus antecessores por ter chegado à eleição das casas do Legislativo sem uma base de apoio consolidada.

Presidente Jair Bolsonarovem apoiando a candidatura de Arthur Lira para a presidência da Câmara. Foto Alan Santos PR

“Tudo isso é uma função das escolhas que ele fez no começo do governo. No sentido de que, quando ele foi eleito, disse que não entraria nesse jogo do ‘toma lá, dá cá’ (…). Então, o que isso significa na prática? Que não foi montada uma coalizão estável e homogênea do jeito que precisaria ter sido feito”, diz Beatriz, que é pesquisadora associada ao Centro de Estudos Latinos e Latino-americanos (CLALS) da American University, em Washington (EUA).

“Nos governos anteriores, isso (coalizão) já existia. Então, apesar das eleições para as presidências da Câmara e do Senado serem importantes, o bloco já estava mais ou menos costurado antes da eleição. Porque existia essa base. Então, essa ânsia agora do Bolsonaro, de se envolver na eleição, tem que ser entendida dentro deste contexto. De um governo que não teve essa articulação prévia”, diz ela, cuja pesquisa é sobre o funcionamento do Legislativo nos EUA, no Brasil e em outros países latino-americanos.

“Essa articulação começou a ser feita no ano passado, quando a gente teve uma inflexão. Começamos até a falar em ‘Governo Bolsonaro 1 e 2’, sendo que o 2 começa depois que ele se dá conta de que, sem trânsito no Congresso, ele não consegue governar. E aí ele percebe que a presidência da Câmara para ele era fundamental”, diz a cientista política.

“Bolsonaro passou a primeira parte de seu governo achando que não precisaria fazer o que outros presidentes (da República) fizeram. Viu, na prática, que não é possível, num sistema multipartidário, e agora está tentando correr atrás do prejuízo”, diz ela.

Emendas extra-oficiais

Para convencer os deputados, o Planalto mobilizou recursos como indicações de investimentos, emendas e cargos. Também acenou com a realização de uma reforma ministerial, de forma a abrir espaço para os partidos no governo.

Em dezembro do ano passado, Câmara e Senado aprovaram dois Projetos de Lei do Congresso (PLNs) que abriram créditos extras para investimentos públicos. O primeiro deles, o PLN 29 de 2020, foi modificado pelo governo dias antes da votação para liberar R$ 1,9 bilhão para investimentos e custeio de serviços públicos.

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Todos estão de olho em grandes projetos e engenharia. Foto Mark Potterton

Pouco depois, outro projeto, o PLN 30, liberou mais R$ 6,1 bilhões para investimentos de oito ministérios.

Estes investimentos não são as emendas parlamentares tradicionais — modificações ao Orçamento da União do ano seguinte apresentadas por deputados e senadores. No caso dos PLNs 29 e 30, a destinação dos recursos foi feita pelos relatores dos projetos em combinação com o governo.

As verbas são depois “apadrinhadas” pelos deputados de modo informal, geralmente para obras ou serviços públicos nos lugares onde eles têm votos. Como os acordos são apenas verbais, é difícil saber exatamente quem apadrinhou o quê.

No entanto, pelo menos parte dessa “contabilidade” do governo se tornou conhecida na semana passada.

O jornal O Estado de S. Paulo revelou a existência de uma planilha interna de controle das verbas, organizada pelo gabinete do atual ministro da Secretaria de Governo (Segov), o general Luiz Eduardo Ramos. O documento lista os nomes de 250 deputados e 35 senadores, que “apadrinharam” gastos de R$ 3 bilhões a serem investidos pelo Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR).

Por causa do caráter informal desta destinação de verbas, não é possível precisar o total distribuído pelo governo — recentemente, Rodrigo Maia acusou o Planalto de oferecer R$ 20 bilhões em “emendas extra-orçamentárias” em trocas de votos.

Cargos e ministérios

Além da destinação de verbas, o Palácio do Planalto também cedeu espaços de poder para os aliados com a indicação de cargos na máquina pública — ao mesmo tempo em que puniu deputados que declararam apoio a Baleia Rossi, cortando indicados destes.

Na última terça-feira (26/01), o jornal O Globo mostrou alguns exemplos: os deputados emedebistas Hildo Rocha (MA), Flaviano Melo (AC) e Fábio Reis (SE) perderam indicados na Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf), na Secretaria de Patrimônio da União (SPU) e no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), respectivamente.

De outra parte, deputados como Áureo Ribeiro (SD-RJ), José Rocha (PL-BA) e Junior Mano (PL-CE) emplacaram aliados em postos estratégicos na estrutura da máquina federal, segundo o jornal.

Congresso Nacional. Foto Reynaldo Stavale

Segundo reportagem da rede de TV fechada CNN Brasil, partidos do “centrão” que apoiaram Arthur Lira já têm uma reunião marcada com Bolsonaro para o começo desta semana, a fim de discutir a distribuição de cargos.

Por fim, há a possibilidade de uma reforma ministerial no começo de 2021 para acomodar os partidos que apoiaram os nomes de Arthur Lira e de Rodrigo Pacheco (DEM-MG) no Senado.

Na sexta-feira (29/01), Bolsonaro chegou a dizer, durante uma transmissão ao vivo nas redes sociais, que poderia dar “status” de ministério a três secretarias do governo (Pesca, Cultura e Esporte), caso Lira e Pacheco terminassem vitoriosos.

No dia seguinte, porém, Bolsonaro recuou da ideia — ele confirmou, no entanto, que vai deslocar Onyx Lorenzoni, hoje no Ministério da Cidadania, para a Secretaria-Geral da Presidência. Com a mudança, a pasta de Onyx passa a estar disponível para a barganha política.

Segundo o jornal Folha de S.Paulo, são cogitadas também mudanças em outras pastas, como a Agricultura, hoje sob a ministra Tereza Cristina; no Desenvolvimento Regional e na Economia. Neste último caso, a ideia é desmembrar a pasta e recriar o antigo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC).

Por BBC News