A breve história de um Beija Flor e uma Borboleta Amarela

Nessa manhã, recebi duas visitas muito especiais que me trouxeram um profundo sentimento de júbilo e regozijo. Despertaram em mim uma ternura gostosa, uma sensação de irmandade pelo todo que me cerca, aqui no sítio, e, por extensão, por todo o nosso belo, e ao mesmo tempo, triste mundo.
Confesso, um tanto constrangido, que meus olhos marejaram discretamente. Suspirei, enlevado por uma sensação de leveza espiritual, diria até mesmo de conexão e consolo espiritual. Senti a presença do Espírito Santo!

Lembrei-me de quando João, o Batista, nas águas calcárias e cristalinas do rio Jordão, batizou o seu primo Jesus, o Cristo. Conta-nos a Tradição que, no momento seguinte, desceu dos céus, sobre o Nazareno, ainda molhado, na claridade daquela tarde quente da Palestina, uma pequena pomba branca que, de seu âmbito, emitia uma benfazeja luz brilhante, encantando a todos.

Os presentes também ouviram uma voz que parecia vir de todos os quadrantes, mas cuja origem desconheciam.
Uns afirmaram que a pombinha falara a linguagem dos homens, outros não souberam explicar porque ficaram extasiados e embevecidos por tão misteriosa e transcendente manifestação espiritual.
Alguns perderam a voz, por dias e dias, divagando orações silenciosas.

Muitos daqueles se tornaram insones por semanas. Os mais piedosos guardaram completo jejum por 7 dias e mergulharam em profunda morbidez, balbuciando orações de suas almas contritas.

Era uma voz mansa e imponente que, de maneira estranha, espalhava um júbilo, nunca antes experimentado por aqueles que a ouviram, mas que também transmitia autoridade e que dizia suavemente: “Esse é meu filho amado, no qual meu Espírito se alegra!”

Sabemos que, no decorrer dos séculos, sempre existiram sábios que interpretaram a linguagem oculta do Sagrado, e outros até mais sapientíssimos, com um grau mais elevado de virtudes espirituais, que conseguiram decifrar tais comunicações, como se o Eterno estivesse falando diretamente a eles, numa intimidade comum aos amigos e confidentes.

Nesse sentido, no caso específico do batismo do filho de Maria e José, muitos deles afirmaram que, logo após Jesus, o Cristo, emergir das águas do batismo, o Espírito Santo de Deus materializou-se na forma daquela pequena pombinha branca, emitindo Sua glória em feixes de luz brilhante que alegraram os olhos de quem presenciou aquele fenômeno único e belo, pois o Altíssimo falara, diretamente, a todos os presentes, num caso único de revelação divina, para um coletivo de pessoas, quando, nas práxis anteriores, o Eterno revelava-se a um só interlocutor e de maneira privada

Acredito que, diante daquele acontecimento extraordinário às margens do Jordão, todos suspiraram e até choraram de alegria, como aconteceu comigo, nesta manhã abençoada.

Me virei na cama, peguei o celular, que me informou que o dia havia começado a exatas 5 horas.
Não sei o porquê da janela ter pernoitado semiaberta, durante a madrugada, não sei precisar a razão desse descuido.

Permaneci deitado, mas consciente da manhã que chegava fresca, e comecei a planejar, mentalmente, o meu dia.

Entre tantas coisas por fazer, a primeira era soltar as galinhas e alimentá-las. Mas, quando me preparo para levantar, fui surpreendido por um lindo beija flor planando sobre mim! Estaqueei, permaneci imóvel para não assustá-lo. E, o que veio a seguir, surpreendeu-me sobremaneira. Senti meu coração derreter-se de encantamento…

Ele voou por cima de todas as partes do meu corpo, como se o estivesse escaneando. Deteve-se a um palmo de distância sobre meu rosto, por um lapso de tempo que não consigo calcular. Emitiu inúmeros assovios curtos e agudos, como se falasse algo que minha ignorância e limitação humana não permitiram entender. Se fosse uma linguagem de anjo, sinto-me pesaroso como um analfabeto por não entendê-la.

A seguir, deu um giro sobre si mesmo e retirou-se tão rápido como chegou.

Uma alegria, um regozijo e uma satisfação indizível tomaram conta de todo meu ser!

Tive um êxtase espiritual, se é que seja aceitável essa apelação retórica… se é que seja possível essa comparação, para que se entenda as reações da alma e os meandros sentimentais do espírito… Não tenho dúvidas de que essa é a sensação que experimentamos na presença do Espírito Santo!

A ideia de Deus e a Sua presença constante em minha vida vieram-me de modo instantâneo à mente. Junto à isso, tive a certeza consoladora de que nunca estou e nem estarei sozinho, de que Ele me protege, porque me ama e tem propósitos para minha vida.

Essa reflexão me transportou a 2 mil e tantos anos atrás, à beira do Rio Jordão, onde o Espírito Santo de Deus, na forma de uma pombinha branca, se revelou para um coletivo de crentes, homens sedentos, como eu, por Suas revelações, ávidos por entender a sua eloquente, porém misteriosa linguagem…

Lá fora, o joão-de-barro festejava a manhã que começara a esquentar, depois de uma noite de persistentes chuvas.

Os bem-te-vis chamavam a todos para um novo dia, diante de um sol forte, que despontava no horizonte, por trás dos picos da serra.

Os galos cantavam com virilidade vocal, rivalizando com seus iguais os espaços em disputa, e as cigarras… ah, essas cigarras, num alvoroço desatado, entoavam cantigas por todas as árvores do quintal, celebrando a vida e a natureza.

Depois de soltar e alimentar as galinhas, fui colocar o carro sob as sombras generosas de um enorme pé de eucalipto.

Já dentro do carro abri as janelas dianteiras e, instantes antes de ligar o motor, algo inusitado, novamente me surpreendeu.

Uma borboleta amarela, um pouco maior que as comuns, adentrou pela janela do carro à minha esquerda e, com seu singelo voo em zigue-zague, passou à frente de meus olhos da mesma maneira que, uma hora antes, eu me imobilizara diante do pequeno colibri. Novamente, estaqueei extasiado.
Aquele delicado ser fez uma vistoria completa dentro do carro com seus alados e imprecisos movimentos e saiu pela janela da porta à minha direita. Quando pensei que a mesma havia ido embora, ela retornou parecendo repetir o trajeto anterior, só que no sentido contrário. Entrou pela janela da porta à minha direita, fez um giro, novamente, completo por dentro do carro, rodeou-me umas duas vezes e pousou sobre o volante à minha frente, pousando, exatamente, entre minhas duas mãos.

Senti como se fosse alguém especial que decidisse sentar, num lugar privilegiado, apenas para observar um outro ser, bizarro e estranho, que nesse caso, era eu.

Ficou ali por volta de um minuto, abrindo e fechando suas asinhas e, mesmo se eu quisesse falar ou intencionasse balbuciar algo, certamente, não conseguiria, pois estava petrificado e mudo. Foi impossível conter o sorriso de cumplicidade estampado em meu rosto repleto de um encantamento quase infantil…

A sensação de enlevo, de regozijo pleno, de satisfação espiritual ocorreu-me outra vez na alma.

O meu espírito comoveu-se, agitou-se e uma indagação suscitou minha mente: O que Deus quer a mim revelar?

Senhor, Deus Altíssimo, o que queres dizer, o que queres que eu saiba? Porque os Seus signos são tão difíceis de decifrar? Sou tão ignorante, meu Pai!! Ajuda-me a compreendê-lo! Ensina-me o alfabeto e a linguagem dos anjos!

Esses pensamentos giravam por minha cabeça, quando a borboleta amarela levantou voo e saiu pela janela em direção à luz do sol que ofuscou minha visão…

Passei o restante do dia divagando aleatoriamente, percorrendo caminhos por dentro de mim mesmo, por corredores silenciosos onde meus lamentos ecoam circunscritos em meu vácuo interno de onde não escapam, mas buscam outros espaços para desatar e se fazer valer, escorrem pelos meus dedos que digitam, transcrevem de minha alma os verbos e as palavras, denunciam meu vagar na solidão de meus receios mais secretos, mas apesar de todos os discursos panfletários, retenho muitos verbos de coisas que povoam minha imaginação, porque, tenho cá comigo, que caso eu os pronuncie, serei listado no rol dos loucos, dos insensatos por romper com o senso comum, constarei na relação inominável dos heréticos e, no fim, serei punido tanto pelo bem, quanto pelo mal…

Portanto, há uma realidade paralela que existe apenas no mundo de nossa imaginação, que negamos verbalizá-la, negamos trazê-la a tona, fazendo-a colidir com nossa realidade. Quase sempre acreditamos que jamais haveremos de furar essa bolha, mas Deus conhece nossos corações e isso deve nos consolar.

Me veio à mente a lembrança de meu amor, a figura de meus filhos, filhas, netos e netas, a família, e, como numa grande tela, as imagens dos colegas e dos amigos também surgiram… Ah, quantas saudades suscitam em meu coração…

Trago comigo a teoria de que, quando envelhecemos, a sensibilidade se torna mais aguçada por estarmos mais frágeis, por percebermos que nos restam menos tempo de vida, de que nossa passagem pela terra, a cada dia, se esvai como a areia de uma ampulheta. Percebemos, então, percebemos que necessitamos menos das coisas e carecemos mais de gente, de compartilhar ternuras e afetos, de querer viver mais tempo no coração do outro, de fazer morada, além de nós mesmos, como maneira de fazer frente a morte, como maneira de nos eternizarmos…

Então, por tudo que vivenciei e senti, veio-me a necessidade de esboçar essa pequena crônica como uma homenagem a vocês e também como um desabafo necessário para aquilo que sufocava meu coração, que dificultava o respirar de minha alma, que prendia o meu espírito com profundas reflexões, quase sempre inconclusas a impor a continuação de minhas procuras…

Sei que tenho um encontro marcado com Deus, numa esquina qualquer desse mundo, mas, só cabe a Ele, como Soberano, saber a quantidade de areia que ainda resta na minha ampulheta do tempo…
De qualquer maneira, meus queridos e queridas, no final do dia, ainda um pouco confuso, mas com algumas coisas claras dentro de mim, com a satisfação de alguém que decifra mistérios, senti-me saciado e sem fome.

Senti-me consolado, como apregoa as Bem Aventuranças de Mateus, nas Sagradas Escrituras, que narra o Sermão da Montanha Daquele Nazareno de pele morena crestada ao sol do deserto, cujo rosto era sereno, cuja fala mansa versava sempre sobre o amor e a bondade, que falava de um Reino onde haverá doces espigas de milho para todos os ventres e banida, para sempre, será a miséria da fome, onde não haverá o homem como o lobo do homem e banida para sempre será o flagelo da exploração e das guerras, onde todas as crianças e todas as mulheres serão respeitadas, os idosos serão acolhidos.

Onde todas as estações serão primaveras e a natureza será preservada com seus sabiás, bem-te-vis, cigarras, borboletas e colibris.

Onde a verdade será servida sempre como o café da manhã por sobre mesas fartas de amor. Onde, espero, que todas as janelas permanecerão sempre abertas para os colibris e borboletas coloridas por todas as manhãs eternas…