De olho no poeta

Foto Saul Schramm

Escultura de Manoel de Barros já conta com câmera de segurança e aguarda revitalização

“Amputaram a arte, amputaram a cultura, mais uma vez”, foram as palavras do artista plástico, Ique Woitschach, autor da escultura do poeta Manoel de Barros, instalada na Avenida Afonso Pena, reagindo a mais um ato de vandalismo.

A obra, que foi inaugurada em 2017, amanheceu em abril deste ano sem o pé esquerdo. E esta não foi a primeira vez tentaram atacar a escultura de um dos poetas mais importantes do País. “Ela já vinha sendo vandalizada sistematicamente há algum tempo”, diz o autor. Na última visita que o artista campo-grandense fez a peça, já tinha constatado fissuras nos óculos, e amassados na face do Manoel. “Antes estavam usando marretas, mas agora amputaram a escultura de forma violenta, cruel e destemida”, desabafou.

Reprodução SUBCOM

Mas qual o motivo por trás deste vandalismo? Para Ique Woitschach, o gesto é fruto do incômodo que a arte traz para muitas pessoas. A cultura, segundo ele, é algo que incomoda porque nos faz pensar. “Estamos vivendo tempos sombrios, onde o ataque às artes e a ascensão do pensamento e do comportamento fascista têm tornado esses tempos ainda mais aterrorizantes”, avalia.

A arte precisa ser acessível a todos e ajudar a economia

Desde a fase de criação da escultura do poeta não faltaram polêmicas. Mas o que poucos sabem é que por trás de um trabalho de arte, pensado e executado por um dos maiores nomes das artes plásticas e um apaixonado pela obra do poeta, é a existência e a importância do conceito artístico. Não se trata apenas de 400 quilos de bronze, mas de uma história que precisa ser relembrada e acessada por todos. “Infelizmente a arte neste País ainda é elitista”, reclama Ique.

Neste sentido, a escolha do canteiro central na Avenida Afonso Pena, foi fundamental.  Além de ser uma avenida tombada pelo Patrimônio histórico, o local é acessível a todas as pessoas. Quem olhar atentamente vai perceber que o artista recriou o “quintal do poeta” (em referência a um de seus poemas), com Manoel sentando junto a Figueira centenária, árvore que atrai os passarinhos que ele tanto gostava. Traço fundamental nas obras de Ique, a integração da escultura com o resto da cidade, faz a peça “conversar” com seu entorno. Não por acaso, a estátua de bronze atrai tanta gente ao local em busca de uma selfie, um dedo de prosa poético ou apenas para descansar no emblemático sofá do poeta.

Ique Woitschach criando a peça de Manoel de Barros. Foto Arquivo pessoal

A arte e a cultura, segundo o artista, agregam valores importantes para a economia criativa e o turismo da cidade. “Além do bioma riquíssimo, que faz de Campo Grande uma floresta urbana, o turista que visita outros cantos do Estado, tem a possibilidade de parar na capital e apreciar cultura e natureza juntas”, explica.

Jardim do Poeta deve ser revitalizado

Para consertar o estrago feito à estátua, o artista vai precisar refazer a modelagem e a fundição do pé esquerdo no Rio de Janeiro. Os óculos do poeta também precisão ser trocados e a face retocada. Convidado pela Fundação de Cultura do Estado para vistoriar a obra, Ique disse que está otimista com o empenho do Presidente da instituição, Gustavo Cegonha, na restauração. Durante o encontro com participação da SECTUR (Secretaria de cultura e turismo do município), discutiu-se inclusive a possibilidade de realizar algumas mudanças no espaço, para deixar o “jardim do Manoel” ainda mais atrativo e seguro.

Importante destacar que a peça furtada (o pé esquerdo da escultura) não vale nada em termos financeiros para quem tirou. “Se a peça for fundida para venda a quantia arrecada gira em torno de 50 reais”, esclareceu o Presidente da Fundação de Cultura do Estado. Ou seja, quem arrancou o pé do poeta provavelmente não visava nenhum lucro.

Foto SUBCOM

Para preservar a obra que retrata o poeta mais querido dos sul-mato-grossenses, a Fundação já garantiu que uma das câmeras de vigilância da avenida seja direcionada para o local. Desde a semana passada o sistema está em funcionamento. “Não é muito, mas já nos garante maior visibilidade daquele espaço tão importante para a cultura”, garantiu o Presidente da instituição, Gustavo Cegonha. Ainda sobre os autores dos recentes ataques, o artista diz que só tem a lamentar por essas pessoas que, segundo ele, se sentem agredidas pela arte. “Vandalizar o patrimônio público, além da falta de educação, é crime”, reitera.

Mas no que depender do Estado através da Secretaria de Estado de Cidadania e Cultura e da Fundação de Cultura, em breve Manoel de Barros estará recuperado e pronto para receber todos os visitantes no seu jardim. Sejam eles pessoas, plantas ou pássaros.

Por Theresa Hilcar/Subcom