O que o Brasil precisa fazer para impedir a chegada da nova variante
A variante ômicron (antes chamada de B.1.1.529) foi detectada na África do Sul nos últimos dias e chamou a atenção dos cientistas pela quantidade e pela variedade de mutações, algumas delas inéditas.
Essa nova versão do coronavírus parece estar se espalhando rapidamente pelo país africano: em menos de duas semanas, há indicativos de que ela caminha para se tornar dominante, após uma onda bem forte causada pela variante Delta por lá.
Nas últimas horas, outros quatro países além da África do Sul detectaram casos de covid-19 causados por essa nova variante: Botsuana, Israel, Hong Kong e Bélgica.
Por ora, os principais grupos que realizam a vigilância do coronavírus no Brasil não detectaram episódios da doença relacionados a essa nova versão do patógeno por aqui. Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que tampouco identificou casos no Brasil e que está em constante vigilância quanto a isso.
Na noite de sexta-feira (26), o ministro da Casa Civil anunciou o fechamento de voos vindos de seis países do sul da África a partir de segunda (29).
Na sexta (26/11), inclusive, a OMS classificou a ômicron como uma variante de preocupação. Essa é a quinta linhagem a integrar a lista — as outras são a alfa, a beta, a gama e a delta.
“Graças à competência do pessoal da África do Sul, que tem um grupo de vigilância genômica de primeira linha, a gente já sabe o suficiente para entender que essa é uma variante que preocupa, em razão do conjunto de mutações e o que já conhecemos sobre elas”, analisa o virologista Fernando Spilki, professor da Universidade Feevale, no Rio Grande do Sul.
Além de fechar as fronteiras, existe algo que pode ser feito para diminuir o risco de entrada da ômicron em nosso país, ou ao menos controlar a sua disseminação? De acordo com especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, tomar ações rápidas nos próximos dias será essencial para conter o problema.
O que se sabe sobre a ômicron
Chama a atenção a rapidez com que essa variante foi detectada: a descoberta aconteceu em 24 de novembro e, um dia depois, o sistema de vigilância da África do Sul já havia emitido um alerta para as autoridades internacionais.
As primeiras análises revelam que a ômicron apresenta cerca de 30 mutações na proteína Spike, a estrutura que fica na superfície do vírus e é responsável por se conectar às células e dar início à infecção.
“Mutações nesse local nos preocupam, porque trata-se do principal alvo dos anticorpos obtidos após infecção ou a vacinação”, detalha o virologista Tiago Gräf, da Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz) Bahia.
O especialista reforça que existe o temor de que essa variante possa escapar ou diminuir a resposta imune obtida após a recuperação de um quadro de covid-19 ou depois da vacinação, mas ainda não há muitas certezas sobre isso.
“Pelos dados preliminares que temos, houve um aumento muito rápido da presença da ômicron nas últimas semanas na África do Sul, a ponto de ela se tornar mais frequente que a Delta”, diz Gräf.
“Mas ainda precisamos aguardar e ver o que acontece para confirmar ou não essas avaliações iniciais”, complementa.
Vale ressaltar que as medidas de proteção, como o uso de máscaras bem vedadas no rosto, o distanciamento social, o cuidado com aglomerações e a vacinação, continuam essenciais para proteger contra a covid-19 causada por esta e as demais variantes.
Controle das fronteiras
Spilki, que também coordena a Rede Corona-Ômica do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), avalia que o primeiro passo para diminuir o risco da ômicron no Brasil é aprimorar o controle das fronteiras.
“O que precisamos fazer é o que não fizemos até agora: ter um rastreamento adequado dos indivíduos que entram no país. Idealmente, se deveria fazer testes em todos os passageiros com ou sem sintomas [de covid], especialmente nos aeroportos”, avalia o especialista.
“Nós sabemos que o tráfego aéreo é o caminho pelo qual essas variantes chegam e, depois, acabam se espalhando pelo território”, explica.
A BBC News Brasil entrou em contato com representantes dos principais grupos que fazem a vigilância genômica do coronavírus no país, como a Rede Corona-Ômica do MCTI, o convênio de laboratórios coordenado pelo Instituto Butantan, em São Paulo, os grupos da FioCruz e o Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), localizado no Rio de Janeiro.
Todos disseram que, até agora, não foi detectada nenhuma amostra que contenha a ômicron por aqui.
Isso representa, portanto, uma oportunidade de agir rapidamente e reforçar as barreiras para evitar a disseminação desta variante por aqui.
“A gente vê que outros países já têm um controle de fronteiras melhor e mais perene. E aqui o nosso histórico é de sistemas e normas que acabam sendo instalados muito tarde, semanas após a evidência do aparecimento das variantes, como foi com a própria Delta”, lamenta Spilki.
“Tomara que sejamos mais rápidos dessa vez. Esses sistemas de controle auxiliam a mapear a entrada e conseguir conter os primeiros casos que ocorrem. Isso tem enorme relevância para evitar a disseminação”, conclui.
Na visão dos especialistas, o que deveria acontecer na prática é a realização de testes RT-PCR em todos os passageiros que chegassem ao país. Eles deveriam ficar em quarentena no próprio aeroporto até o resultado estar disponível (o que costuma demorar um ou dois dias).
Se o laudo der negativo, o que significa que o indivíduo não está infectado, ele ficaria livre para ingressar efetivamente no Brasil. Caso o resultado seja positivo, é preciso manter o paciente em isolamento, com acompanhamento médico se necessário.
Isso evitaria a entrada livre de pessoas com a ômicron, que podem espalhar essa nova versão do vírus para contatos próximos e criar cadeias de transmissão internas.
Tanto Spilki quanto Gräf consideram ser muito difícil barrar 100% a entrada de novas variantes no Brasil, mas as medidas de controle e testagem ajudam ao menos a identificar a maioria dos casos “importados” antes que eles se espalhem entre a população.
A resposta das autoridades
No fim da noite de sexta-feira, o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, escreveu no Twitter que o Brasil “fechará as fronteiras aéreas para seis países da África em virtude da nova variante do coronavírus”. De acordo com o ministro, as restrições recairão sobre passageiros vindos da África do Sul, Botswana, Lesoto, Namíbia e Zimbábue.
A previsão é que uma portaria impondo as restrições seja publicada no sábado (27) e vigore a partir de segunda-feira (29).
Mais cedo na sexta (26), antes do anúncio feito por Nogueira, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) havia publicado uma publicou uma nota técnica sugerindo a restrição de voos vindos da África do Sul, Botswana, Essuatini (antiga Suazilândia), Lesoto, Namíbia e Zimbábue.
Para justificar a orientação, a Anvisa chamou a atenção para a circulação da ômicron e a baixa cobertura vacinal nesses locais.
Gräf entende que a medida não faz mais sentido, até porque a variante já foi detectada em países que não integram dessa lista, como Bélgica, Hong Kong e Israel.
“Fazer restrições direcionadas ao país de origem da nova variante não é a melhor estratégia. O indivíduo pode vir de pontos secundários, onde já ocorre a transmissão dela”, explica.
“O Brasil manteve por muitos meses uma restrição de voos vindos do Reino Unido, por causa da variante Alfa. Enquanto isso, deixou abertas as fronteiras para os Estados Unidos, que já tinham uma circulação intensa dessa mesma variante”, lembra Gräf.
O caminho mais efetivo, na opinião do virologista, está na criação de um programa de testagem nos terminais de desembarque.
Em nota enviada à BBC News Brasil, a Anvisa destaca que “as regras para ingresso no país e quaisquer restrições de deslocamento não são determinadas pela agência, mas pelo grupo interministerial formado por Casa Civil da Presidência da República, Ministério da Saúde e Ministério da Justiça e Segurança Pública”.
A reportagem também procurou o Ministério da Saúde, mas não recebeu respostas até a publicação.
O Ministério da Saúde também publicou um alerta na sexta-feira (26/11), em que detalha as informações disponíveis sobre a ômicron e o que pode ser feito para contê-la em território nacional.
Além de ressaltar a necessidade da vigilância interna, o documento reforça a importância das medidas não farmacológicas, como “distanciamento social, etiqueta respiratória e de higienização das mãos, uso de máscaras, limpeza e desinfeção de ambientes e isolamento de casos suspeitos e confirmados conforme orientações médicas”.
O ministério também indica as ações necessárias para diminuir o risco da entrada da variante no país, que envolvem principalmente o monitoramento dos viajantes que desembarcam por aqui.
Necessidade de ampliar a vacinação
Por fim, Gräf destaca que o surgimento de novas variantes acontece (e continuará a acontecer) justamente nos locais onde a cobertura vacinal segue baixa.
Na quinta-feira (25/11), a OMS divulgou que apenas 27% dos profissionais da saúde localizados na África já haviam recebido as duas doses que protegem contra as formas mais graves da covid. Médicos, enfermeiros e demais trabalhadores da área constituem um dos grupos prioritários, que recebem o imunizante com antecedência.
“O aparecimento da ômicron traz à tona a desigualdade na distribuição das vacinas e nos mostra que nenhum lugar do mundo estará realmente protegido enquanto a situação não estiver controlada em todas as regiões”, analisa.
“É importante que os países e as instituições internacionais se esforcem para fornecer vacinas às localidades com a campanha mais atrasada, até para impedir o surgimento de outras variantes.”
“O coronavírus não para de nos surpreender. Quando a gente acha que está indo para um caminho mais tranquilo, ele nos mostra que ainda temos muitos desafios pela frente”, finaliza o virologista.
Por André Biernath – BBC News