Uma votação considerada “histórica” por parlamentares e entidades ligadas à educação aprovou na noite de terça-feira (21/07), na Câmara dos Deputados, a proposta de emenda constitucional (PEC) do novo Fundeb, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica.
O Fundeb, que financia cerca de dois terços de toda a educação básica pública do Brasil, expirava, por lei, no final deste ano. Sua ausência provocaria, segundo especialistas, um caos no financiamento da educação, porque não haveria garantia de dinheiro para o pagamento de salários de educadores e de manutenção de escolas – em 2019, o Fundeb teve mais de R$ 150 bilhões em recursos.
A PEC foi aprovada em dois turnos, por 499 votos a 7 na primeira votação e por 492 votos a 6 na segunda. Agora segue para o Senado, onde também tem de ser aprovada com maioria qualificada em dois turnos. Se o texto for aprovado no Senado, tornará o Fundeb permanente e promoverá mudanças importantes no financiamento e na distribuição de recursos para a educação pública básica do país.
A mudança mais importante é que a PEC aumenta o aporte do governo federal ao Fundeb. Hoje, o fundo é financiado por 10% de recursos da União e 90% de recursos de Estados e municípios – uma partilha considerada injusta por estes, que argumentam que a União arrecada muito mais impostos.
“É um modelo de cabeça para baixo: os Estados e municípios são os que atendem diretamente 45 milhões de alunos, mas a concentração tributária fica com a União”, disse à BBC News Brasil, em entrevista anterior à votação de terça, a deputada federal Professora Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO), relatora da PEC na Câmara.
Aumento do aporte e CAQ
O texto aprovado na terça prevê que o aporte da União aumente para 12% do Fundeb em 2021 e progressivamente até 23% em 2026. Os repasses não entram nos cálculos do teto de gastos do governo.
A maior parte dos recursos adicionais do governo federal irá para Estados e municípios pobres que hoje não conseguem alcançar um patamar mínimo de investimentos por aluno, mesmo que esses municípios estejam em Estados mais ricos.
“Com essa proposta, 46% dos municípios que se encontram em estágio de subfinanciamento educacional crítico passarão a contar com mais recursos”, diz a organização Todos Pela Educação.
Segundo a organização, o patamar mínimo de investimento por aluno no país passará de R$ 3,7 mil em 2020 para cerca de R$ 5,7 mil em 2026.
Haverá aumentos já a partir do ano que vem, quando se estima que o investimento mínimo por aluno chegará de R$ 4,6 mil.
De acordo com o relatório Education At Glance 2019, da Organização Para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), embora o Brasil destine uma porcentagem alta de seu PIB à educação, “o gasto por estudante na educação básica fica bem abaixo da média da OCDE”.
Para a deputada Dorinha Rezende, a mudança vai reduzir as desigualdades regionais do país em financiamento da educação.
“Não tem sentido uma criança ter R$ 19 mil de custo por ano e outra que não chega a R$ 2 mil em vários municípios brasileiros. Não é esse o país que nós queremos”, afirmou durante a votação, segundo a Agência Câmara.
O Todos Pela Educação estima também que as mudanças no Fundeb façam com que 1.471 redes de ensino mais pobres passem a receber 8,2% adicionais de recursos já a partir do ano que vem.
Além disso, uma parcela (2,5 pontos percentuais) do dinheiro complementar da União será destinada a redes públicas que cumpram com parâmetros de melhoria de gestão de recursos.
O texto aprovado conta também com um dispositivo chamado Custo Aluno Qualidade (CAQ), que, passando a valer em uma emenda constitucional, trará ao longo dos anos padrões mínimos de qualidade para as escolas públicas, segundo Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação da USP e membro da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação.
Resistência do governo
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, afirmou que a Casa fez “história” com a votação.
“São despesas (sobre o aumento da participação do governo federal nos recursos do fundo) que, na verdade, são investimentos nas crianças e no futuro de tantos”, afirmou, segundo a Agência Câmara. “Isso traz responsabilidade para achar o caminho para que esses recursos cheguem.”
O texto da PEC era discutido intensamente desde 2019, com grande resistência do governo federal, que se queixava de não ter recursos suficientes para aumentar seus repasses.
No sábado, o governo chegou a apresentar uma proposta de última hora, prevendo, entre outras mudanças, que a PEC só entrasse em vigor a partir de 2022 – o que, segundo críticos, deixaria um vácuo no financiamento da educação em 2021.
A proposta não vingou, e o governo acabou fechando um acordo com parlamentares, mantendo a proposta original do Fundeb em troca de apoio para colocar em prática o programa de distribuição de renda chamado Renda Brasil.
Por Paula Adamo Idoeta, da BBC News Brasil em São Paulo