Amor

Só você meu amor, com suas inumeráveis virtudes e encantos, consegue essa transformação metamórfica em mim

Os primeiros brotos do milho que plantamos juntos, você e eu, emergem tímidos da terra molhada buscando a energia do sol, a luz da vida. Lembro-me que foi assim, da mesma maneira, que nasceu nosso bem querer, com cuidado e sensibilidade, com a necessária serenidade dos recomeços, calmo como as brisas das manhãs frescas.

Os brotinhos, em pares, se assemelham a pequenos enroladinhos de folhas verdes, feitos uns tubinhos, que no calor de cada raio de sol, anseiam o desabrochar, trazem o verde da vida, trazem a esperança da fartura na terra.

Quando ao deixar o sítio, você passou frente a nossa pequena horta com seu vestido estampado com as cores das flores, como se jardins permeassem seu corpo, eles ainda tímidos, rompiam a terra úmida, esforçavam-se como os pintinhos molhados rompendo, na quentura do ninho, a casca dura do ovo com seus biquinhos ainda tenros.

Quando você retornar e vier estar comigo, quando vier com todo seu amor, verá as fileiras de nosso pequeno milharal, de dois em dois, em pares simétricos, como casais feito nós. E assim como acontece conosco, crescerão felizes, superando as intempéries, banhando-se na chuva, sentindo o frescor das brisas, se alegrando ao sol, imergindo na escuridão das noites apenas como repouso necessário para o recomeço dos alvoreceres cristalinos e claros.

Quando você vier estar comigo, quero vê-la caminhando pelas alamedas do nosso sitio com seus vestidos coloridos de jardins por sobre as curvas sinuosas do seu corpo macio, quero vê-la caminhar pelo verde gramado para assistir extasiada o pôr do sol de nossas tardes mornas, frias ou quentes a depender das estações do ano.

Quando você retornar e vier para o sítio que é nosso a lembrar a sabiá que volta ao ninho, cá estarei ansioso feito um filhote faminto de bico aberto para receber o seu amor, seus carinhos e sua amizade, que são alimentos necessários para a evolução de meu espírito, para trazer alegria à minha vida, alento vital para minha alma!

Enquanto aqui permaneço lhe esperando retornar, as cigarras cantam em todas as árvores ecoando sua sinfonia por todo o espaço ao redor de nossa casa, ora ensaiam aqui e ali, param, desafinam por instantes, mas em seguida retomam todas juntas seus trinados, desatando em uníssono performances altisonantes a sublimar os piados e cânticos de todos os demais passarinhos. É lindo de se ouvir, traz-nos a impressão de que há vida vibrando por todos os espaços, que há abundância de bênçãos sobre todos os quadrantes da terra, até nos fazendo crer que ainda permanecemos nos jardins de um paraíso mítico.

Enquanto estou aqui esperando o seu retorno, as frutas amadurecem penduradas em pencas. Os macaquinhos se fartam e inquietos como são, saltam de galhos em galhos, derrubando-as ao chão em dúzias. Há um lamentável desperdício e ele se explica tanto pela fartura, tanto por tudo aquilo que sobeja, como pela euforia de uma dúzia encantadora de macaquinhos pregos peludos. As fêmeas carregam seus filhotinhos que se agarram firmes em suas costas ou grudam em seus peitos aproveitando para neles mamar, bem como para passear de galho em galho e de árvore em árvore, aprendendo desde os primeiros dias de vida os caminhos das matas e as rotas do alimento que nelas encontram.

Amor, as jacas amadurecendo exalam um aroma adocicado pelo nosso pequeno bosque e ao senti-lo, respiro calmo e profundamente e me transporto a quase cinco milênios nos tempos passados, me vem à mente a imagem benfazeja do Iluminado Buda que meditava entre figueiras, entre os bambus das florestas e bosques da Índia e sentia esse mesmo inebriante perfume adocicado dessas jacas, dessa fruta do paraíso. Nesse mesmo ambiente de paz, mantras repetitivos e orações silenciosas, ele se deslocava de um lado para o outro, sem fazer alardes, sempre sereno como um anjo do Senhor, andava a passos medidos, calmos e lentos, enquanto os pavões e as aves do paraíso de todas as cores ciscavam distraídos pelos arredores pouco se importando com a presença humana.

Sabe amor, trago a boa notícia de que nasceu nosso primeiro pé de melancia que plantamos antes de sua partida. Nasceu um pezinho solitário com duas folhinhas arredondadas e bem verdinhas, abertas uma de frente para a outra como se batessem palmas comemorando a delicada brotação da vida e o calor benfazejo da luz do sol. São nossos pequenos filhotes, são a renovação cotidiana na terra em nossa pequena horta. Esses são os pequenos milagres da vida, frutos das sementes declinadas das delicadas e esguias mãos, das suas mãos, amor de meus dias maduros.

Os dois ninhos dos pequenos sabiás de dentro de nossa casa, um no alto do lavabo da sala de visitas e o outro rente ao telhado acima da porta da cozinha, foram abandonados pelos filhotes que descobriram a liberdade de voar. As mães acompanham preocupadas os primeiros voos de seus rebentos recém empenados, e eles, por suas vezes, demonstram justificada insegurança e muita ansiedade, afinal o mundo é muito maior e mais arriscado do que o aconchego dos nossos ninhos, do que a tranquilidade de nossa zona de conforto, do que o comodismo de nossas vidas. Portanto, os céus, as copas das grandes e frondosas árvores, os horizontes abertos são seus destinos.

As suaves brisas os esperam para embalar seus voos por esses espaços de liberdade.

Apesar do grisalho de minhas penas, do cansaço em meu olhar e das dores que me afligem a alma, sinto-me um filhote a sua espera, a espera do alimento de seu amor e cuidados inigualáveis. Quando estou longe de você, sinto-me assim, as vezes, pequeno, frágil e amofinado. No entanto, quando está aqui do meu lado, sinto-me um lobo do cerrado, forte, impávido e destemido, sinto-me teso, quase selvagem, inteiro macho!

Estando aqui só eu, Deus e sua natureza exuberante, passo horas e horas a fio sonhando, mirando um tempo quando tudo estiver pronto e ajardinado, e nesse mundo onírico dos meus sonhos, vejo-a caminhar tranquila, aqui e ali, vestida com uma leve, florida e translúcida bata oriental, feita monja alheia ao burburinho do agitado mundo, distraída como uma ninfa, passeando pelo nosso quintal, observando pequenos e inusitados insetos, mirando as árvores, ouvindo, escutando os pássaros e presenciando a chegada das tanajuras vindas de todas as direções. Sim, apressadas e desajeitadas tanajuras fugindo dos bicos afiados dos pássaros. Com diligência e rapidez perfuram pequeninos orifícios na terra úmida para se esconderem e procriarem.  

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Foto Jasmine Carter

É certo que se encantará com as pequenas revoluções e os processos inexoráveis da natureza, esquecerá por longos e bons momentos as dores do mundo e experimentará uma indizível paz até então desconhecida. Vejo daqui desse tempo presente que olharás em minha direção e dará conta, de que, em reverente silêncio, a contemplo com um olhar que transborda incontido amor e profunda ternura. Então observo seu rosto bonito iluminar, esboçando um doce sorriso de satisfação e sentirá, nesse instante, seu peito arfar, suspirando momentos de inefável felicidade e gratidão pela certeza, de que, tudo que aconteceu até o presente dia em nossas vidas no infinito universo, tanto as situações boas como as ruins, foram circunstâncias necessárias e sincronizadas para que encontrássemos um ao outro, como agulha no palheiro, dentre a imensa multidão de galáxias e sistemas, em meios de bilhões de almas e formas de vida que peregrinam esse vasto universo distanciados de Deus.

Muito embora impere tanta descrença no mundo, onde as pessoas não acreditam na transcendentalidade da existência, no princípio amoroso de todos os elementos e nos propósitos ocultos do Sagrado, teimo em acreditar que o destino conspirou para que nos encontrássemos numa esquina qualquer do mundo, no planeta terra, nesse nosso mesmo tempo de sombras, para que cuidássemos um do outro, consolando-nos, para que nos amássemos e dividíssemos a última fase de nossas existências sobre a terra de nossas peregrinações. Deus tem sido generoso conosco, tem nos permitido vivenciar um amor pleno, cúmplice, profundo e transcendente.

Minha querida Livinha, tenho passado os dias pensando em você, rogando a Deus para que ao lhe abençoar, a proteja também dos males do mundo, para que conforte sua generosa alma nos momentos ruins e infunda coragem e força em seu espírito para que permaneça firme no caminho e na senda dos justos e íntegros, para que, principalmente, mantenha seu bondoso coração pulsando por mim, e por derradeiro, para que nunca me esqueça fácil.

Amor da minha vida, tenho dedicado meus dias e a minha energia de jardineiro leal, preparando um bosque de frutas doces e sombras fartas, um jardim gramado e florido para seu passeio e deleite, e diversos lagos de águas frescas e translúcidas para sua paz, construindo de maneira zelosa um ninho permanente para te acolher, num tempo que será todo nosso para amar sem medidas e vivermos o nosso amor que é e permanecerá inviolável, como devem ser todas as coisas que são sagradas.

Minha amada, senhora do meu coração, irmã de minha alma, receba meu amor, meu abraço intensamente apaixonado, que de maneira abençoada e como fenômeno quântico, possam se fundir todos os nossos átomos numa só singularidade, num só corpo, e no ápice dessa síntese única no tempo e no espaço do espírito e da matéria, na unidade de nossa mais firme e determinada vontade, numa só cumplicidade amorosa e espiritual, aonde nós dois possamos, finalmente, reencontrar nosso elo perdido, quando éramos no princípio, uma só e  indissolúvel alma junto ao seio de Deus, onde éramos  tão somente UM, uma única unidade primordial do amor!!

Do seu admirador de sempre, 

Abílio Borges