Recuperação para o Ensino Médio

Foto Naassom Azevedo/Unsplash

Alunos irão precisar de mais atenção e reforço no pós-pandemia

O Ensino Médio brasileiro sempre precisou lidar com a evasão e a qualidade ruim de aprendizagem. A pandemia vai deixar ainda mais pedras no caminho, por isso gera tanta preocupação em educadores e especialistas. O ensino a distância, implementado às pressas e sem muito preparo, não foi capaz de conter os prejuízos em um cenário de desigualdade, com tantos alunos sem o acesso às ferramentas necessárias e ao suporte emocional.

O vídeo publicado recentemente por Júlia Almeida, estudante de 17 anos do terceiro ano do Ensino Médio de uma escola estadual em Belo Horizonte (MG), ilustra o problema. Com o título “Por que vou reprovar em 2020”, ela conta em seu Instagram que a opção de reprovar não se trata de refazer as matérias desse ano, mas, sim, estudar esse conteúdo, já que ela afirma não ter feito nada efetivo com o ensino remoto. O vídeo teve mais de 120 mil visualizações e 900 comentários, com a maior parte dos estudantes concordando com seus argumentos e se identificando com as dificuldades de aprender a distância em meio à pandemia.

Evasão

Além da reprovação, dados mostram que depois da pandemia, mais gente vai abandonar os estudos. A pesquisa “Juventudes e a Pandemia do Coronavírus”, realizada pelo Conjuve (Conselho Nacional da Juventude) em parceria com Em Movimento, Fundação Roberto Marinho, Mapa Educação, Porvir, Rede Conhecimento Social, Unesco e Visão Mundial, aponta um cenário alarmante.

Segundo o levantamento, quase 30% dos jovens pensam em deixar a escola e, entre os que planejam fazer o Enem, 49% já pensaram em desistir. A maioria sente grande dificuldade de estudar em casa, por conta da falta ou precariedade de ferramentas para acessar os conteúdos, somada com desequilíbrio emocional e dificuldade em se organizar.

Necessidade de reforço

Desânimo e necessidade de trabalho contribuem para a evasão escolar Foto Silvia Rita/Pixabay

O retorno às aulas não será uma tarefa fácil: as preocupações vão desde o cuidado emocional de alunos e professores até a questão do espaço e como obedecer as regras de distanciamento para evitar o contágio. E não para por aí. Na volta, as escolas vão precisar enfrentar a inevitável defasagem no aprendizado.

Em relação a esse último ponto, o que muito se tem discutido é a realização de avaliações para saber o que os alunos conseguiram acompanhar durante o ensino remoto. E, a partir disso, entender o descompasso, identificando quem precisa do reforço de aulas extras, com extensão do ano letivo ou ampliação da carga horária.

A Secretaria de Educação de São Paulo, por exemplo, está estruturando para 2021 um 4º ano do Ensino Médio. Ele será optativo e seu oferecimento será condicionado à existência de vagas. A novidade será destinada a quem está cursando atualmente o 3º ano e que deseja se preparar melhor para o vestibular. Ainda não foram divulgados o número de vagas e mais detalhes sobre o currículo complementar.

Em entrevista ao UOL, o secretário estadual de Educação, Rossieli Soares, disse que a ideia da criação deste ano extra surgiu de uma conversa com estudantes que disseram ter interesse em cursar o 3º ano novamente em 2021.

Outra medida que a Secretaria de Educação de São Paulo acredita que vai ajudar a atrair e manter os jovens na escola e tentar conter o aumento da evasão escolar é a implementação do novo Ensino Médio, no qual o jovem vai poder escolher parte do novo currículo de acordo com suas preferências e objetivos. Mas, como já falamos aqui no GUIA, a mudança curricular também vem acompanhada de muitos desafios.

No Rio de Janeiro

O estado do Rio de Janeiro também estuda a criação de um programa de reforço escolar para os alunos do Ensino Médio. Segundo o projeto de lei 2.775/20, as escolas estaduais vinculadas às secretarias de Educação (Seeduc) e de Ciência, Tecnologia e Inovação (Secti) deverão implementar o programa para ajudar afetados pela suspensão das aulas presenciais durante a pandemia.

O PL foi aprovado em discussão única pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) na última semana de julho. A medida agora está com o governador Wilson Witzel, que poderá sancioná-la ou vetá-la.

O programa também visa à capacitação dos alunos para o Enem, outros vestibulares e para o mercado de trabalho. Ele poderá ser realizado de maneira remota, usando plataformas digitais, aulas gravadas ou aulas transmitidas em tempo real. Além disso, pode ser feito sob a forma de convênios ou cooperação técnica com a Fundação Cecierj, com as instituições superiores de ensino e com os cursos de licenciatura das universidades públicas do estado do Rio de Janeiro.

O programa será de caráter complementar, assim, quem não participar não terá prejuízo da carga horária do ano letivo a ser cumprida. Já os alunos que fizerem parte terão as horas acrescidas à carga horária no boletim ou então deverá ser emitido um certificado de conclusão de curso de reforço escolar.

Mais ajuda

A Escola Sesc de Ensino Médio, que já estava adaptada ao modelo de educação híbrida, conseguiu aprimorar ainda mais o ensino remoto. Aproveitando as ferramentas e estratégias desenvolvidas e aperfeiçoadas durante esse período de isolamento, ela lançou o Programa de Tutoria Educacional a Distância (PTED). A iniciativa gratuita vai além dos estudantes das instituições e atenderá mais de 800 alunos de todos os estados, priorizando estudantes da rede pública e de menor renda familiar.

Rio de Janeiro também estuda a criação de um programa de reforço escolar para os alunos do Ensino Médio. Foto Pixabay

Durante os três anos do Ensino Médio, os participantes do programa terão apoio nas disciplinas curriculares, por meio de videoaulas e outras estratégias de aprendizagem disponibilizadas em uma plataforma digital, com acompanhamento direto de educadores. Eles também terão apoio específico voltado ao Enem.

Fora esse suporte acadêmico, os estudantes contarão com um acompanhamento tutorial com profissionais especializados, acesso a atividades culturais, palestras motivacionais, educacionais e de orientação de carreira. “O jovem vai ter um tutor com nome e com quem pode ter uma proximidade. Ela vai poder, então, dialogar sobre a vida, seus projetos, como ele se sente no momento e quais são as dificuldades de aprendizagem”, explica ao GUIA o diretor da Escola Sesc, Luiz Fernando Barros. 

Luiz ressalta a importância de elaborar uma modalidade online de uma maneira mais humanizada para não ser apenas uma plataforma que reúne conteúdos, sem fazer o estudante se envolver. “É importante que os jovens em processo de aprendizagem reconheçam quem está do outro lado, que se sintam acompanhados e que fazem parte daquilo”, diz Barros.

Para minimizar os desafios dos jovens que têm dificuldade no acesso a dispositivos e uma boa internet, os organizadores pensaram em uma plataforma que pudesse ser acessada facilmente de celulares, além de buscar parcerias para driblarem esses problemas. “A gente sabe que quando uma criança ou um jovem encontra novas possibilidades de aprendizagem, acontece uma transformação, e toda a sociedade ganha com isso”, conclui.

Por Juliana Morales – Guia do Estudante