Yvon Gaillard fala sobre os benefícios da Lei Complementar 199/2023, mas reforça que é preciso acompanhar o desenrolar com atenção
No começo do mês de agosto, o Brasil deu mais um passo voltado para a tão sonhada reforma tributária com a publicação da Lei Complementar 199/2023. Criada com o objetivo de simplificar as obrigações tributárias acessórias, o projeto tinha tudo para marcar o início do processo facilitador para a vida do contribuinte e a melhora do ambiente de negócios no país. No entanto, uma série de 11 vetos em alguns dos pontos mais interessantes e complexos da norma atual acabou por deixar muito mais dúvidas do que certezas, dando a impressão de que iniciamos o período de renovação com o pé esquerdo.
Além de instituir a criação do Estatuto Nacional de Simplificação de Obrigações Tributárias Acessórias, a lei propunha três pilares estratégicos fundamentais para desburocratizar a conformidade fiscal. O primeiro deles tratava da unificação dos documentos fiscais eletrônicos. A segunda iniciativa passava pela centralização dos relatórios em um único documento para comprovar as suas operações fiscais pre-preenchidas nos moldes da atual declaração de imposto de renda para pessoas físicas. Já a terceira, e quem sabe a mais importante, determinava a utilização do CNPJ como o identificador único das empresas nos bancos de dados de serviços públicos.
A partir disso, o que vimos foi a queda por terra de praticamente todos esses fundamentos. Dos três pontos, apenas o primeiro deles foi mantido, o que ocorreu ainda com um texto genérico e pouco esclarecedor. Na verdade, é possível até mesmo afirmar que o conteúdo não está claro, uma vez que não traz especificações assertivas sobre quais e quantos registros passarão a ser válidos a partir de agora.
Outro ponto bastante alarmante dentro da nova legislação foi a criação do Comitê Nacional de Simplificação de Obrigações Tributárias Acessórias (CNSOA). Formado com o objetivo de efetivar processos de redução e simplificação tributária, o conselho seria concebido por representantes da União, Estados, Distrito Federal, Municípios e contaria ainda com a inclusão de membros representantes dos contribuintes e das empresas. Porém, a participação do setor privado foi mais um dos vetos no momento de sanção da lei.
Além da retirada da sociedade civil, o que já seria grave por si só, vale dizer que o Comitê também não terá mais a autonomia para realizar mudanças efetivas no cenário. Em outras palavras, o grupo nada mais terá do que o caráter consultivo sobre a temática regulatória, tendo um papel de muito menos impacto em relação ao que deveria e imaginávamos. Aliás, até mesmo a sua criação de caráter obrigatório em 90 dias acabou vetada, deixando a data de formalização ao léu, sem nenhuma especificação ou período determinado.
Hora de ter atenção
É fato que o Brasil urge por uma reforma efetiva em todo o sistema fiscal. Para se ter uma ideia, o estudo Doing Business, publicado pelo Banco Mundial, apontou que as empresas nacionais gastam mais horas para apurar, declarar e pagar os seus impostos em todo o mundo. Em média, são 1.501 horas por ano, ou impressionantes 62 dias. Mas em grandes empresas esse esforço pode passar de 40mil horas, segundo um recente estudo da Delloite. Dito isso, ver o país realizar movimentações para minimizar a burocracia envolvida, como é o caso da Lei Complementar 199/2023, cria um cenário de esperança por um futuro mais simplório burocraticamente falando.
Por outro lado, precisamos estar atentos ao ritmo que será dado ao processo. Por se tratar de uma primeira movimentação após a aprovação da reforma tributária, a recente norma já atua em conformidade com as diretrizes do novo sistema de tributação. E aí mora um perigo, uma vez que, ao invés de esclarecer e dar os primeiros indícios de quais serão esses novos caminhos, o texto acaba por ser muito vago e pouco efetivo de fato.
O receio pela pouca eficácia da normativa não fica restrito apenas a esse decreto em si, mas já começa a pairar sobre outras esferas da reforma tributária. Até que ponto a estrutura robusta necessária hoje em dia para manter uma empresa em conformidade fiscal será realmente revista?
A grande verdade é que a Lei Complementar 199/2023 trouxe benefícios interessantes visando à desburocratização da conformidade fiscal. Entretanto, os vetos nos pontos mais incisivos do texto geram uma tensão de qual será o verdadeiro rumo dado ao processo. É preciso entender que, se o caminho a ser seguido realmente for o de mudanças pouco significativas, o resultado também será comedido, e o Brasil continuará ocupando um papel negativo entre as nações mais complexas na área fiscal. Como disse anteriormente, o primeiro passo foi dado, mas a caminhada é longa. No momento, devemos acompanhá-la com bastante atenção.
Yvon Gaillard, cofundador e CEO da Dootax. Com mais de 15 anos de atuação no mercado, Yvon é um dos principais personagens na revolução do sistema fiscal do país. Economista formado pela FAAP e com MBA pela Business School São Paulo, liderou projetos em empresas como Gol Linhas Aéreas e Thomson Reuters.
Por Renato Caliman