Os efeitos da dissonância cognitiva no eleitorado brasileiro

Numa sociedade democrática regras e normas são praticadas e projetos para a melhoria da vida dos cidadãos são debatidos e instaurados

A política é a arte do diálogo cívico em uma sociedade contemporânea. É a partir dela, em resumo, que as leis gerais de convivência, regras e normas são praticadas e projetos para a melhoria da vida dos cidadãos são debatidos e instaurados. Numa sociedade democrática, os avanços ocorrem por meio do modelo da pólis grega, o princípio de organização social, política e econômica essencial para o desenvolvimento da sociedade e do pensamento humano, ancorados pelo respeito às ideias e ao debate filosófico.

Como herança, temos que um dos modelos políticos mais utilizados e respeitados ao redor do mundo é a democracia, que, dentre outros atributos, trata-se da participação dos cidadãos na escolha de seus representantes, por meio do voto universal. Como bem trata Winston Churchill, a democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as demais.

De acordo com o estudo Democracy Index, realizado pela Unidade de Inteligência da The Economist, em 2022, o Brasil ficou na 51° posição do ranking mundial entre os 167 países analisados, quatro posições abaixo em relação ao estudo do ano anterior. Essa piora pode ter sido sintomática, fruto de 4 anos de um governo com viés autoritário.

Bloqueio de protesto em Jacareí/SP. Foto Reuters

O motivo da queda do país no ranking das melhores democracias é reflexo do governo de Jair Bolsonaro, que utilizou seu mandato presidencial para atacar as instituições que sustentam nosso equilíbrio cívico, como o Supremo Tribunal Federal e o nosso elogiado sistema eleitoral. 

Somos uma democracia ainda incipiente: tivemos espasmos de governos democráticos, com pouca continuidade histórica, comparados com países com centenas de anos de sucessões dentro das regras constitucionais. O golpe militar de 1964 e os anos de chumbo, que terminaram melancolicamente em 1985 com a abertura conduzida pelos militares, entregando o governo para um presidente civil eleito indiretamente, Tancredo Neves, ainda são um fantasma para a sociedade brasileira.

A ditadura promoveu centenas de mortes, desaparecimentos, torturas e milhares de brasileiros tiveram que se exilar. A falta de julgamento dessas atrocidades, com uma anistia dos crimes da época, foi o fermento para que os militares novamente se insinuassem nos últimos anos. Erramos como sociedade organizada. A Argentina e o Chile fizeram melhor a lição de casa democrática, punindo os militares e relegando-os ao seu lugar correto.

Paixão política e dissonância cognitiva

Manifestação em defesa da operação Lava Jato ocorrida em 2017. Foto Getty Images

As jornadas de junho de 2013, vistas hoje de forma retrospectiva, eram a semente do surgimento de um novo movimento, “contra tudo isso aí – contra o sistema, contra a corrupção, contra a velha política”, mas ainda pouco claro em seus objetivos e organização. Nas eleições presidenciais de 2014 houve claramente um movimento de antipetismo, aglutinando essa massa, por último, na candidatura de Aécio Neves.

O esgotamento dos vários mandatos da esquerda era sintomático, mas, ainda assim Dilma conseguiu se reeleger, porém teve um curto mandato devido ao antagonismo crescente de diferentes forças políticas, econômicas e sociais.  Veio o impeachment, a ascensão meteórica do bolsonarismo e a vitória da extrema direita em 2018. Por paradoxal que fosse, um político improdutivo e ineficaz, com quase 30 anos de mandatos inexpressivos, foi escolhido como o candidato antissistema.

O fracasso era esperado, com um governo pautado na destruição e nas questões ideológicas. Mais importante que governar, o objetivo era vencer a guerra cultural. A pandemia tratou de colocar a pá de cal na popularidade ampla do ex-presidente. Movido pela sua necropolítica, ficou restrito aos defensores radicais. Em outubro de 2022, Lula e Bolsonaro protagonizaram a eleição mais acirrada do país, com uma polarização violenta que esgarçou totalmente nosso frágil tecido social.

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Dentro dos 58 milhões de eleitores que votaram no ex-presidente Jair Bolsonaro, os institutos de pesquisa estimam que 12% (piso) a 20% (teto) sejam bolsonaristas radicais. Eles foram capturados irreversivelmente pelo ideário da extrema direita e são mantidos em uma bolha impermeável ao debate, pela dissonância cognitiva coletiva que os impede de checar a realidade através de meios de comunicação tradicionais e notícias verdadeiras.

Alguns desses eleitores, inclusive, tiveram participação no ataque de 8 de janeiro à Praça dos Três Poderes. A longo prazo, não é esperado que esse fanatismo diminua. Mostras estão sendo dadas: alguns criminosos que estão sendo soltos mostram orgulho de terem feito parte dessa vergonha nacional. Mesmo inelegível, a figura de Bolsonaro continua presente e forte no imaginário de seu eleitorado mais radical.

Como trago no livro: “Os bolsonaristas radicais nunca concordam com a realidade, zombam dos argumentos racionais. Seu alimento é fake news, sua digestão é a dissonância cognitiva para produzir como excremento os pensamentos distorcidos que invadem as redes sociais extremistas”.

Por Fabiano Horimoto

Autor do livro “O dia da Infâmia e a Dissonância Cognitiva: um Retrato do ódio Através da Psicologia”, que explica a origem do ódio retratado na política atual, escrito após as invasões em Brasília no dia 8 de janeiro.