O desmatamento da Amazônia e o Brasil na mira do mundo
Segundo os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), no mês de junho deste ano foram registrados 2.248 focos de calor na Amazônia. O número representa a maior alta de queimadas registrada para o período nos últimos treze anos, desde 2007.
Outra pesquisa do Inpe aponta que, no último ano, o avanço do desmatamento nas unidades de conservação da Amazônia – que, por lei, deveriam ser mais protegidas de devastação – foi ainda pior que na floresta como um todo. As perdas registradas nas áreas protegidas do bioma atingiram 1.008 km² entre agosto de 2019 e julho deste ano, alta de 40% em relação aos 12 meses anteriores.
Dados como estes têm ampliado o debate sobre a devastação na Amazônia. Não se trata apenas de preocupação de ONGs e ambientalistas brasileiros, o assunto tem mexido com a política nacional e internacional. Prova de seu impacto é o impasse para a aprovação do acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul por causa dos problemas ambientais do Brasil.
As negociações para a parceria do Mercosul (formado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) com os 28 países da União Europeia começaram oficialmente em novembro de 1999, mas só chegaram a um consenso em 2019. O acordo comercial prevê, em 15 anos, zerar as tarifas de importação sobre cerca de 90% do comércio bilateral.
O pacto ainda não foi ratificado, ele ainda precisa da aprovação do Conselho e do Parlamento da União Europeia e dos legislativos dos países europeus e do Mercosul. E uma das principais barreiras é o desmatamento e as queimadas ilegais na Amazônia, já que o acordo tem um capítulo dedicado ao desenvolvimento sustentável.
Brasil na mira do mundo
Alguns países europeus estão pressionando o Brasil a adotar políticas para combater a destruição ambiental como condição para o acordo entrar em vigor. Em junho, a maioria dos deputados do parlamento holandês aprovou uma moção contra a ratificação do acordo comercial do Mercosul com a União Europeia (UE).
O governo da chanceler alemã, Angela Merkel, também afirmou ter sérias dúvidas em relação ao acordo, diante da ameaça ecológica na Amazônia. Em entrevista ao jornal Estadão, o novo embaixador da Alemanha no Brasil, Heiko Thoms, falou que o acordo depende de resultados concretos do governo brasileiro em relação ao aumento do desmatamento e das queimadas.
Ele afirmou que “todos estão acompanhando as notícias do Brasil” e que isso tem efeito sobre os cidadãos europeus. “Na Alemanha, não há um único partido dentro do espectro democrático que não se importe com questões ambientais e climáticas. Mas sabemos que temos de fazer nosso dever de casa primeiro, porque temos nossas questões internas também”.
Em respostas às críticas e na tentativa de mostrar comprometimento em reverter esse cenário negativo, neste ano, o governo Jair Bolsonaro usou novamente a Garantia da Lei e da Ordem. A Operação Verde Brasil 2, instaurada por meio de um decreto em maio, emprega as Forças Armadas no combate à devastação no bioma.
A GLO é uma operação prevista na Constituição Federal que autoriza o uso das Forças Armadas. Ela é realizada exclusivamente por ordem do presidente da República, quando as forças tradicionais de segurança pública não são suficientes.
A medida já tinha sido usada em agosto do ano passado, diante dos incêndios e da pressão internacional no caso da Amazônia, debate também muito presente em 2019 e que resultou na saída do diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que monitora o desmatamento. Mas os recentes números de desmatamento e de queimadas – como os apresentados no início desta reportagem – mostram que a ação dos militares não tem contido a destruição da maior floresta tropical do mundo.
Sem resultados, a situação ambiental se complica e a pressão política e econômica aumenta.
Pressão interna também
Com a repercussão mundial, empresas temem que a imagem negativa do Brasil possa trazer prejuízos econômicos para o país, prejudicando as exportações. Por isso, em julho, dirigentes de companhias como Itaú, Natura, Ambev, Suzano e Vale assinaram uma carta ao vice-presidente Hamilton Mourão para falar sobre o problema. Segundo o documento, é necessário haver o “combate inflexível e abrangente ao desmatamento ilegal na Amazônia e demais biomas brasileiros”.
A reportagem da VEJA explica que a atuação do Ministério do Meio Ambiente, comandado por Ricardo Salles com apoio de Bolsonaro, não é vista com bons olhos, principalmente pela exoneração de fiscais que coordenavam ações contra garimpos ilegais e pelo volume muito baixo da verba empenhada para conter as queimadas. Falas do presidente contra a destruição, pelo Ibama, de máquinas apreendidas em garimpo ilegal – medida punitiva prevista na lei – também não o credenciam para liderar um esforço de preservação.
No dia 6 de julho, o Ministério Público Federal entrou com uma ação, assinada por 12 procuradores do Distrito Federal e da força-tarefa da Amazônia, pedindo o afastamento de Ricardo Salles do Ministério do Meio Ambiente. Uma das justificativas do pedido é a reunião ministerial do dia 22 de abril, na qual Salles propõe aproveitar a pandemia para “ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas”.
“Com canais de diálogo fechados com o ministro, representantes do capital privado viram Mourão como o interlocutor ideal no governo. O vice-presidente é coordenador do Conselho da Amazônia e passa aos empresários uma imagem mais sóbria e técnica do que Salles, identificado no exterior como porta-voz do negacionismo bolsonarista em relação à crise”, explica a reportagem da revista, da Editora Abril, a mesma que publica o Guia.
Na última sexta-feira (28), o Ministério do Meio Ambiente anunciou que, a partir de segunda-feira (31), seriam suspensas todas as operações de combate ao desmatamento ilegal na Amazônia e às queimadas no Pantanal, por conta de um bloqueio de R$ 60 milhões na pasta, por ordem da equipe econômica. Mas, após muitas reações negativas, entre elas a de Mourão, Salles recuou e anunciou que as operações de combate prosseguirão normalmente.
Os brasileiros e a comunidade internacional continuarão acompanhando os dados sobre a devastação da Amazônia. E quais serão seus impactos para a economia brasileira e, claro, para as mudanças climáticas.
Por Juliana Morales – Guia do Estudante