Interpretações radicais sobre a PEC 164/12 podem eliminar o direito ao aborto legal
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 164/2012, conhecida como “PEC da Vida”, ressuscitada por um grupo de deputados na semana passada, pode ter um impacto avassalador não só no direito legal ao aborto, mas também na realização da fertilização in vitro. A proposta, que visa incluir a concepção como o marco inicial do direito à vida na Constituição Federal, gerou uma insegurança jurídica e abriu caminho para interpretações que podem afetar diretamente a vida de milhões de brasileiras, especialmente as vítimas de violência sexual e as mais vulneráveis.
A PEC, de autoria do ex-deputado Eduardo Cunha, modifica o artigo 5º da Constituição, inserindo a proteção à vida “desde a concepção”. Embora Cunha argumente que a proposta não tenha o objetivo de alterar as atuais exceções legais para o aborto – risco de vida para a gestante, estupro e anencefalia –, a simples inclusão dessa frase abre precedentes para interpretações equivocadas.
O ex-deputado sustenta que o objetivo da proposta era tão somente evitar a legalização do aborto e reforça que ela não pode ser entendida como o fim das situações em que a prática é permitida, como no caso de estupro. “No entanto, a falta de clareza e a amplitude da redação proposta criam um vácuo jurídico, permitindo interpretações radicalizadas que podem criminalizar o aborto em qualquer circunstância”, comenta o advogado Danilo Campagnollo Bueno, mestre em Direito Penal Econômico.
Impacto no aborto legal
A aprovação da PEC 164/2012 lançaria uma densa nuvem de incerteza sobre os casos de aborto já previstos em lei. “A interpretação mais radical da emenda poderia levar à criminalização total do aborto, inclusive nos casos de estupro, colocando em risco a saúde física e mental das vítimas, que seriam obrigadas a carregar o fruto de uma violência brutal. Mesmo interpretações menos extremas poderiam dificultar o acesso ao aborto legal, impondo barreiras burocráticas e judiciais que inviabilizariam o procedimento para mulheres com menos recursos. Isso aconteceria porque as causas de aborto admitidas no Brasil estão no Código Penal e em um entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF). Na avaliação dos mais extremistas, a inclusão dessa cláusula no artigo 5º da Constituição Federal eliminaria automaticamente os dispositivos do Código Penal que permitem a interrupção da gestação em casos de estupro e anencefalia, mas esta é uma visão míope da emenda”, detalha Bueno.
Fertilização in vitro ameaçada
O advogado explica que os impactos da PEC, na interpretação rígida que vem sendo dada pela ala política que ressuscitou a proposta, poderiam se estender para além do aborto. “A fertilização in vitro (FIV), técnica de reprodução assistida que possibilita a gravidez para milhares de casais, também seria diretamente afetada. A consideração do embrião como detentor do direito à vida desde a concepção tornaria o descarte de embriões não utilizados na FIV uma prática ilegal, inviabilizando o procedimento”, argumenta.
Vulnerabilidade ampliada
O advogado explica que as mulheres mais vulneráveis seriam as mais atingidas pelas consequências da interpretação rígida da proposta quanto às possibilidades de aborto. “Mulheres de baixa renda seriam empurradas para a clandestinidade, recorrendo a procedimentos inseguros e colocando suas vidas em risco. Enquanto as mulheres com maior poder aquisitivo poderiam buscar alternativas seguras em clínicas clandestinas com melhores condições, as mais pobres estariam à mercê de práticas abortivas perigosas”, critica.
No entendimento do advogado, a PEC 164/2012, na forma como vem sendo interpretada, representa um perigoso retrocesso para os direitos das mulheres no Brasil. A aprovação tem o potencial de criar um cenário de insegurança jurídica, colocando em risco a vida e a saúde de milhões de mulheres, especialmente as menos favorecidas.
Por Beatriz Mendes