Gol contra proposital, goleiro jogando no ataque e abandono de campo na metade do segundo tempo. Já pensou isso tudo numa partida do Campeonato Paulista? Pois foi o que aconteceu há exatamente 100 anos, em 11 de julho de 1920, quando o Corinthiansvenceu o Santospor 11 a 0, dentro da Vila Belmiro, na maior goleada da história dos dois clubes.
Embora dedicassem mais espaço ao turfe do que ao futebol, os jornais do dia seguinte destacaram a partida de “score” elevado, a grande atuação corintiana e a atitude antidesportiva dos santistas.
“Foi uma pugna fria, para não dizer indecente. Verificaram-se factos vergonhosos, factos que grandemente vêm depor contra os foros sportivos e nosso Estado”, relatou a “A Gazeta”.
Contexto
Realizado na tarde de um domingo chuvoso, o jogo foi válido pela primeira fase do Campeonato Paulista, na época organizado pela Associação Paulista de Sports Athleticos.
Os clubes eram recém-fundados (o Corinthians tinha nove anos, e o Santos, oito), ainda contavam com estrutura amadora e não eram rivais como nos dias atuais.
A Fiel, porém, mostrava sua força. A torcida corintiana já era conhecida por organizar as maiores caravanas da cidade e lotou os vagões das composições da São Paulo Railway para acompanhar o Corinthians na Baixada.
– O Corinthians em 1920 já era uma revolução popular consolidada. Desde a fundação do clube em 1910, o Corinthians atraiu milhares de pessoas pelo projeto da popularização do futebol. Como a maioria da população era excluída pelo futebol ser um esporte elitista, para ricos, o fato de surgir um clube de operários com a ideologia de popularizar o futebol paulista e brasileiro, atraiu centenas de fãs, que em poucos anos viraram milhares – disse Fernando Wanner, historiador do Corinthians.
– Sempre foi uma grande paixão desde a fundação. Em 1920, o Corinthians já era uma revolução popular de fato. E o principal objetivo era vencer a Associação de Futebol Paulista de Atléticos. E o Corinthians tinha o Neco como grande líder. Era uma força muito grande no estado. Muitos jogadores do Corinthians serviam à seleção paulista e brasileira – completou.
Uniforme do Corinthians em 1920; jogadores utilizavam cinto e medalhas de premiações. Foto: Arquivo / Fernando Wanner
O jogo
Apesar do placar final elástico, o duelo começou de forma equilibrada, de acordo com os relatos da época. O gramado da Vila Belmiro era de qualidade ruim e ficou ainda pior depois do jogo preliminar, entre os segundos quadros dos clubes – o Timão também venceu por 3 a 1.
As poças d´água atrapalharam, mas não impediram o esquadrão corintiano de abrir 5 a 0 no primeiro tempo diante de um adversário que não era fraco.
– O Santos tinha um boa equipe, composta por Arnaldo Silveira, Haroldo Domingues, Ary Patusca, Adolpho Millon, Constantino e Castelhano, figurantes frequentes na seleção paulista e na seleção brasileira. Inclusive goleou o Flamengo por 6 a 0 uma semana antes da partida diante do Corinthians – conta Gabriel Santana, historiador do Santos.
Gambarrota, com quatro gols, e Neco, autor de três, foram alguns dos destaques da partida, mas talvez o grande protagonista da tarde tenha sido o árbitro Eduardo Taurisiano. Revoltados com a atuação do homem do apito, os santistas protestaram de forma radical.
– Ele não marcou pênaltis claros a favor do Santos e deu pênaltis inexistentes ao Corinthians, além de anular gols legítimos do Santos. Como os jogadores ficaram irritados pela atuação do árbitro, começaram a se revezar nas posições, e Ary Patusca fez um gol contra (o último da partida) propositalmente como forma de protesto. O goleiro Randolpho foi atuar como centroavante, e o meio-campista Cícero como goleiro. Ricardo e Bilu foram expulsos, e Randolpho e Adolpho Millon abandonaram o campo. Assim, o árbitro encerrou o jogo aos 22 minutos do segundo tempo – conta o historiador santista.
Embora reclamasse da arbitragem, a diretoria santista puniu os atletas pelos atos. A imprensa da época também não poupou críticas.
“Causou esse desfecho péssima impressão em nossos círculos sportivos, tendo sido objecto de forte censura o modo incorreto de se portar no campo da lucta de certos elementos da turma santista”, publicou o “Correio Paulistano” no dia seguinte.
O Santos abandonou aquele campeonato na nona rodada. O Corinthians ficou em terceiro e teve o artilheiro Neco, com 24 gols. O Palestra Itália, que viria a se chamar Palmeiras anos depois, ficou com o título.
Em 1921, o Corinthians chegou a fazer 12 gols diante do Internacional da capital, mas sofreu dois, o que manteve a vitória por 11 a 0 sobre o Santos como a maior de sua história. O Peixe nunca mais sofreu uma derrota por placar tão elástico.
Ficha técnica
- Local: Vila Belmiro
- Data: 11 de julho de 1920
- Árbitro: Eduardo Taurisano
- Santos: Randolpho; Cícero e Bilu; Ricardo, Marba e Pereira; Milton, Castelhano, Ary Patusca, Haroldo e Arnaldo.
- Corinthians: Colombo; Nando e Gano; Garcia, Amílcar e Ciasca; Américo, Neco, Bororó, Gambarotta e Basílio.
- Gols: Gambarotta (4x), Neco (3x), Basílio, Bororó, Amílcar e Ary (contra).
Fonte G1 Corinthians