ESG vai nortear os negócios para reduzir impactos ambientais e sociais
De um século para cá, a humanidade testemunhou uma transformação sem precedentes. A explosão demográfica, a revolução tecnológica, a cultura de massa, as mudanças nos padrões de consumo e o apogeu absoluto do capitalismo são só alguns dos eventos mais importantes. O fato é que, com tantas mudanças, começam a surgir receios em relação ao futuro da humanidade e da Terra. Está evidente para todos que nem um, nem outro sobreviverão se os recursos naturais seguirem sendo usados de maneira desenfreada.
Surgem, então, inúmeras conferências sobre o clima, reunindo chefes de Estado com o objetivo de salvar o planeta. A reunião pioneira ocorreu em 1972, em Estocolmo (Suécia), seguida por outro encontro mundial, 20 anos mais tarde, na cidade do Rio de Janeiro. Em 1997, no Japão, foi elaborado o primeiro grande acordo assinado por vários países: o Protocolo de Quioto, de onde surgiram os primeiros projetos de mitigação de impactos ambientais, como o Mercado de Carbono. Mais recentemente, em 2015, outra enorme leva de países assinou o Acordo de Paris, em vigor atualmente.
E assim, pouco a pouco, inicia-se uma tomada de consciência que tardou a chegar, mas que rapidamente estende-se para além da esfera governamental.
O mercado abraçou a causa sob a forma de três letras que estão atraindo a atenção de clientes, de investidores e da mídia. A sigla ESG, do inglês environmental, social, governance (ambiental, social e governança), funciona como uma lente através da qual será possível medir o grau de comprometimento que as empresas têm com a mitigação dos impactos e dos riscos futuros, seja na sociedade, seja no meio ambiente.
Para Carolina da Costa, sócia da Mauá Capital e Ph.D. em educação, a sigla é um conjunto de princípios que divide em três grandes grupos os maiores interesses quando o assunto é melhorar a relação interna e externa de qualquer empresa. Para ela, as três forças estão unidas na mesma sigla pois têm de estar em equilíbrio, já que uma depende da outra. Ou seja, a governança é o valor que permite que a empresa tenha um propósito forte, seja transparente em sua gestão e ética com seus funcionários, de forma que assim ela será capaz de construir uma estratégia sólida para impactar positivamente a sociedade e mitigar riscos e impactos ambientais.
A política ESG é o novo tripé de valores sobre os quais toda e qualquer empresa necessitará estar equilibrada no futuro. Para Marcelo Miranda, CEO da Consolis Tecnyconta, na filial espanhola do grupo multinacional francês Consolis, a adaptação das empresas a esses ideais surge por dois possíveis motivos. O primeiro é a livre e espontânea pressãoda sociedade e dos governos; o segundo é por uma genuína tomada de consciência que vem se revelando, segundo ele, sobretudo nas novas gerações. O investidor de antigamente não estava preocupado se a empresa era corrupta, se usava força de trabalho escravo ou se não estava prestando a devida atenção a impactos ambientais, mas o de hoje está cada vez mais atento e, pela primeira vez na história, deixando de investir em empresas que não estão em dia com uma agenda ESG em detrimento do resultado financeiro.
Vale ressaltar que a política ESG não é uma simples política de compensação, mas uma estratégia sólida que visa resultados financeiros, seja para os investimentos, seja para o faturamento das empresas. Ela é uma política que nasce contemplando todos os stakeholders, ou seja, toda a parte interessada. “ESG não é poesia. Ela tem de ser combinada aos resultados. Essa é a única forma de transformá-la em uma estratégia de fato. Há muitos empresários que acham que ela só serve para trabalhar a imagem da empresa, mas não é verdade. Ela pode gerar ótimos resultados”, garante Miranda.
Frederic de Mariz, diretor executivo do banco suíço UBS no Brasil, garante que no mercado financeiro já existe uma pressão por parte dos investidores para a busca de investimentos com algum tipo de impacto social ou ambiental. “Nós estudamos esse comportamento no mercado ao longo das últimas décadas, mas nesses últimos anos, no passado mais recente, sentimos que o interesse, a curiosidade e a pressão por parte do mercado cresceram muito”, afirma o executivo. A gestora do UBS é uma das maiores do mundo, com pouco mais de US$ 3 trilhões em investimentos sustentáveis. “Você pode perceber que é uma parte bem significativa da nossa carteira”, completa Mariz.
Relatórios recentes estimam que atualmente há mais de US$ 30 trilhões em ativos sob gestão de fundos que usam alguma estratégia ESG. É difícil avaliar esse número em razão da falta de regulamentação da política ESG, que hoje fica a cargo de cada empresa, mas o número não deixa de ser relevante e de apontar para uma significativa mudança no padrão do mercado. Mesmo sem regulamentação e sem obrigatoriedade, muitas empresas já estão adicionando aos seus relatórios para investidores uma seção de ESG, para demonstrar de forma transparente o que estão fazendo a respeito dessa agenda. No Brasil, gigantes como Natura, Marfrig, Suzano e Ambev já apostam tanto nessas estratégias quanto na comunicação delas aos investidores.
Com as empresas assumindo pouco a pouco esse novo compromisso, os investimentos podem ser mais bem direcionados. Carolina explica que na Mauá Capital já está sendo feito um trabalho dedicado a rever a política de investimentos. “Queremos inovar na indústria com fundos que gerem impactos sociais e ambientais positivos. Acredito que temos o poder de educar o mercado, promovendo uma transformação sistêmica.” Para ela, o investimento verdadeiramente comprometido vai além dos filtros negativos, aqueles que excluem investimentos por determinadas razões. “O filtro negativo não é referência em comprometimento com a agenda ESG. Para se comprometer de fato é preciso ter o trabalho de buscar os melhores representantes da indústria.”
No Brasil, a principal força em desequilíbrio entre as três é a governança. Falta, e muito, um código de conduta ético e transparente na gestão das empresas, por parte dos executivos, e na gestão do país, por parte do governo. Por isso, a agenda ESG torna-se um aliado importante na reeducação das empresas e na criação de novos valores sobre os quais elas podem se apoiar. De agora em diante, ser ético e responsável com a comunidade e com o meio ambiente não só ajuda na obtenção de resultados como passa a ser um diferencial cada vez mais relevante aos olhos dos investidores.
Mercado de carbono voluntário e a agenda ESG
Existem dois mercados de carbono, o regulado e o voluntário. Em 2008, quando entrou em vigor o período de compromisso do Protocolo de Quioto, foi criado o mercado de carbono regulado para ajudar os países signatários a diminuírem a emissão de gases de efeito estufa (GEE) e a alcançarem as metas propostas. Dessa forma, certos mercados para comércio de emissões foram estabelecidos em países para limitar a emissão de gases de efeito estufa em determinados setores econômicos.
Nesse sistema, as empresas reguladas têm um limite de emissão de GEE. Assim, aqueles atores que emitem abaixo do seu limite podem comercializar suas licenças, ao passo que aqueles atores que emitem mais do que seus limites devem suportar maior custo de regulamentação, adquirindo licenças de emissões para embasar suas emissões.
Já o mercado voluntário surgiu de forma espontânea a partir de uma conjunção de fatores e mais voltado para a iniciativa privada, visando atender à demanda de empresas que buscam reforçar sua estratégia sustentável e mitigar os seus impactos ambientais. No mercado voluntário não são transacionadas as licenças, mas créditos de carbono, chamados de offsets e que agem de duas formas diferentes: reduzindo as emissões de carbono ou sequestrando-as da atmosfera. Dessa forma, diferentemente do que ocorre no mercado regulado que permite que a empresa “aumente o seu limite”, no mercado voluntário a empresa acaba por reduzir, ou destruir, sua emissão de carbono.
Pedro Carvalho, consultor regulatório da EcoSecurities, empresa suíça responsável por desenvolver projetos para o mercado de offsets de carbono, explica que eles variam bastante entre si. “Há vários com energias renováveis, que diminuem a emissão, mas a tendência é desenvolver cada vez mais projetos com tecnologias de sequestro de carbono, como reflorestamento, aspectos de uso da terra e aprimoramento de técnicas agrícolas, já que só reduzir não é suficiente. Hoje em dia, o foco tem sido em parar de emitir ou emitir negativo.”
Todos os projetos são submetidos a uma avaliação de entidades certificadoras, de forma que seja necessário provar aspectos técnicos como adicionalidade (necessidade das receitas dos créditos de carbono para sustentabilidade econômica do projeto) e linha de base. Assim, é possível desenvolver novas tecnologias, projetos inovadores e trabalhar na redução de impactos socioambientais por meio do mercado de carbono.
Entretanto, segundo Carvalho, as offsets não são comercializadas em todos os mercados, já que nem todos as permitem. “É importante ter em mente que o mercado de carbono não é a solução para o problema climático, mas uma ferramenta de transição para países e empresas. A ideia não é pagar para emitir gases, mas usar os créditos de carbono para aquelas emissões de difícil redução ou então fora do controle da entidade. O propósito é se valer dos créditos enquanto os ajustes e aprimoramentos são feitos e as tecnologias são desenvolvidas, até a empresa chegar à menor emissão possível”, explica ele.
Carvalho ainda ressalta que a tendência no mercado é que o preço dos créditos de carbono continue a aumentar, de forma a evitar que as empresas entrem em uma zona de conforto na qual compram créditos sem perspectivas de fazer as transformações necessárias. Com o propósito correto e com o comprometimento de fazer ações e transformações de forma concomitante, os créditos de carbono do mercado voluntário têm sido aliados de empresas no mundo inteiro na hora de definir estratégias ESG.
Por Amanda Tucci – Forbes Brasil