Dia dos pais e dos filhos que partiram

Estou ficando velho e parece que quanto mais o tempo passa a nossa sensibilidade flui sem travas, como diriam os antigos, vem à tona a ponto de ficar na flor de nossa pele…

Parece que na maturidade ficamos mais emotivos ao constatarmos que temos muito mais passado do que possamos ter de futuro. É natural, portanto, os sonhos e os projetos de vida diminuírem, se tornando menos ousados. Por isso, as reminiscências são inevitáveis e com elas, juntas, nos assaltam as saudades.

Datas comemorativas como dia das Mães, Natal, Semana Santa ou dia dos Pais, nos trazem lembranças de um mundo que já não existe mais, um mundo perdido que se esvaiu entre nossos dedos, que já não está mais ao alcance de nossas mãos…

Hoje que é dia dos pais e a maioria de nós, na altura de nossos anos maduros, infelizmente, já perdemos nossos pais para o descanso da morte. No entanto, uma minoria de nós, perdemos filhos e por esses filhos serem parte de pais vivos, ainda temos dificuldades de enterrá-los…

man and his children on the bed
Foto Pavel Danilyuk

Talvez, por isso, sinto-me particularmente afetado, e apesar de ser pai de seis filhos e filhas, o que sinto é uma enorme saudade de meu filho amado e de meu amoroso e velho pai, João Borges da Silva, que morreram. Meu filho morto levava o nome de meu pai e o chamávamos amorosamente de Netinho.

Depois de sua partida mudei o formato de minha assinatura. Hoje, eu termino de assinar desenhando um rostinho de criança, como sinal de que sempre o amarei, como uma declaração desesperada de um amor que a tudo transcende. Nego-me esquecê-lo sequer por um único dia. Geralmente, quando as pessoas me veem assinando começam a rir do rostinho que faço, acham engraçadinho, sequer imaginam ou percebem os soluços da minha alma…

Meu Deus quanta saudade! E como são, por certo hoje, essas saudades tão doloridas a ponto de me fazerem chorar, por diversas vezes ao longo dessa manhã de ventos suaves e secos? Como é dolorida, meu Deus, essa dor na alma?! É tão dolorosa que não há nenhum bálsamo possível para aplacá-la, nem mesmo sequer, doses da mais profunda e poderosa fé são capazes de diminuí-la!

Mas que assim seja, que cada naco de saudade flua livre, venha atingir de maneira contundente o mais profundo de nossas essências e humanidade…

Somos, enquanto seres, constituídos por esses elementos da subjetividade, é isso que nos fazem mais humanos, seres desajeitados, perplexos, contraditórios, tentando compreender os mistérios e os propósitos da existência…

Fazem muitos anos que esses sentimentos não me chegam tão sentidos e tão fortes! Então me pergunto: Porquê será que hoje estou com minha alma tão fremida de doloridas saudades?! Será que é o fato de estar ficando velho e de certa maneira, um pouco debilitado fisicamente? Será que a maturidade nos leva a nos perceber de maneira mais transparente, a detectar os mistérios de nossos sentimentos mais ocultos?

Será que o estarmos solitos, solitos e o contato silencioso com a natureza, nos proporcionam esses momentos privilegiados de sermos invadidos e tomados por essas multidões de lembranças e saudades por tudo àquilo que tivemos um dia e que, ainda assim, podemos amar, todavia?

O fato, de que, a nossa maturidade seja a fase da vida que nos sentimos mais livres dos preconceitos, recalques e não precisamos, a todo tempo, de auto afirmação tão comum nos mais jovens, nos dá a oportunidade de sentirmos de maneira mais plena, verdadeira e com mais autoconhecimento, de maneira direta, nua e sem tantos filtros, que podemos nos expressar sem maiores pudores, sem rodeios e sem tantos receios, enfim, tudo isso juntos e misturados, expliquem compreendermos e verbalizarmos os sentimentos que pervadem nossas mentes e corações de maneiras mais libertárias possíveis!

Talvez seja um pouco de tudo isso. Talvez seja também a aridez das manhãs e noites frias desse agosto seco, talvez seja mesmo as sequelas emocionais inerentes à essa gripe que me fez arder em febre a noite que já passou.

O sentimento que me vem também, apesar dos pesares, é o de gratidão por tudo que tenho passado, por pensar, que talvez, tudo poderia ser pior, de que tudo passará, e de que, graças à generosidade da vida um dia morrerei…

Por último, talvez minha sensibilidade advenha do fato de perceber que o espírito de meu filho Netinho, acompanhado do espírito de seu avô, vieram me fazer companhia nessa manhã em que permaneço afastado do mundo.

Não é a primeira vez que isso acontece, mês passado na noite do mais intenso frio que já passei na vida, quando achei que não suportaria à chegada do amanhecer, eles, os dois, estiveram do meu lado e me fortaleceram a ponto de me fazerem chorar naquela madrugada abandonada e congelante.

Obrigado filho, obrigado pai por ainda se fazerem presentes dentro de meu coração cansado, por estarem comigo nesse dia dos pais, por ainda me fazerem chorar e me fazer perceber que ainda permaneço vivo e aprendendo.

Me despeço dos amigos, pais, filhos e familiares, desejando-lhes feliz dia dos Pais que amam seus filhos e que jamais se esquecem daqueles que já partiram…

Abilio Borges