Ana Maria Diniz, empresária e presidente do Instituto Península, que trabalha com educação
“Por onde eu passar, quero deixar melhor. Eu gostaria muito de deixar para este país uma educação melhor do que antes da Ana estar aqui, trazer para o mundo e dar inserção para que a população possa ter (educação), porque eu falo: para mim felicidade não é um objetivo, para mim felicidade é uma consequência da realização”, diz Ana Maria Diniz.
Ela é a convidada do sétimo episódio do Forbes GX Series, uma série de entrevistas comandadas por Flavia Camanho Camparini, especialista em governança familiar e estratégia de desenvolvimento humano, fundadora do Flux Institute e professora convidada dos programas do IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa), FBN (Family Business Network) e FIESC (Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina). A série tem apoio da PwC.
Confira a entrevista:
Flavia Camanho: Ana, quem é você e o que você faz hoje?
Ana Maria Diniz: Quem sou eu, eu sou mais Ana Maria e menos Ana Maria Diniz. Cada vez mais estou buscando isso, ser mais Ana Maria e menos Ana Maria Diniz. Tem várias coisas muito legais de ser parte de uma família tão empresária, empreendedora, poderosa como a minha, mas tem um risco de perder a sua essência, de se misturar tanto com essa família e de perder a sua essência. Então eu sou Ana Maria, casada com o Luiz Felipe (d’Avila), meu segundo casamento, mãe de quatro filhos, avó de quatro netos. Hoje estou começando um novo empreendimento na área de “impact investing”, chama “Polvo Lab”, sou também conselheira da Península e presidente do conselho do Instituto Península, que é essa área social, (que) sempre trabalhei, principalmente na área de educação, há mais de vinte anos. É uma área de que eu gosto muito e acho que o Brasil só vai se desenvolver quando tiver educação para todos, e educação de qualidade para todos.
FC: Ana, quando caiu a ficha? Quando você se percebeu membro de uma família empresária?
AMD: Na verdade, não foi uma “caída” de ficha. Na verdade, foi um processo que eu vivi de construção dessa família empresária. Eu nasci quando meu pai (Abilio Diniz) estava começando a trabalhar junto com o meu avô (Valentim Diniz). Eu nasci em cima da loja um do Pão de Açúcar num quartinho onde meu pai e minha mãe moravam. Eu vi todo esse crescimento desde criança. Eu vi meu pai muito trabalhador, muito empenhado em abrir uma loja e depois a outra, sempre ajudando meu avô e os dois trabalhando superbem juntos. Eu fazia parte disso, ia nas inaugurações das lojas puxar a fita. Isso foi se incorporando a minha infância, a minha juventude. Não existe uma “caída” de ficha. Aos poucos a empresa foi crescendo e eu fui participando disso de várias formas.
FC: Como foi o processo de ir encontrando o seu lugar no mundo?
AMD: Foi um processo longo e de muitos capítulos na verdade. Quando eu me dei conta de que a gente tinha uma empresa e tudo isso, eu fiquei com muita vontade de conhecer e saber o que era trabalhar nessa empresa. Estava em meados da década de 80 e eu fiz um estágio pela empresa toda durante oito meses. Depois eu fui efetivada como assistente de compras, que eu achei o máximo, realmente foi o meu primeiro emprego. Parei só seis anos depois quando nasceu minha primeira filha e logo em seguida eu tive minha segunda filha. Eu tive duas, uma em seguida da outra. Então eu fiquei dois anos parada.
Quando voltei para o mercado de trabalho, voltei com uma clareza muito grande: ‘não quero voltar para a empresa da minha família’. Falo que esta foi a decisão mais importante, profissional, que eu tomei. Fui trabalhar na editora Abril, comecei como assistente de redação na revista Exame. A revista Exame estava mudando para virar realmente uma revista empresarial. Lá tive uma experiência muito rica de três anos, me senti parte de uma grande corporação. A editora Abril era grande e importante naquela época. Eu adorava jornalismo, eu tinha ficado muito na dúvida entre fazer jornalismo ou administração. Acabei optando por administração porque achei que era mais abrangente, uma formação melhor, mais completa, mas essa paixão por escrever sempre continuou. Por isso que eu quis ir para a editora Abril.
Depois disso, eu fui para um capítulo empreendedor pela primeira vez. A minha chefe de redação saiu da Exame e resolveu abrir um negócio próprio, uma editora pequenininha de livros e publicações dedicadas. Estava nascendo a Lei Rouanet naquela época, só que a gente pegou aquele Plano Collor, que teve o congelamento de tudo, de todas as contas, no terceiro mês nosso, quando a gente abriu essa editora. Foi muito difícil, a gente não tinha dinheiro para pagar a secretária. A última coisa que eu queria era pedir dinheiro para o meu pai, para a minha família. Tinha que dar conta de mim mesma. Enfim, foi essa experiência. A gente conseguiu se reinventar, conseguiu ficar bem.
Ao longo dessa jornada, que foi muito curta, essa do empreendedorismo, meu pai me chamou de volta para o Pão de Açúcar, porque o Pão de Açúcar estava começando a passar por uma crise muito séria e ele queria ter a mim e meu irmão, o João Paulo (Diniz), por perto. Eu voltei para ficar perto do meu pai, para dar esse apoio que ele precisava, mas com a mínima vontade de ficar no Pão de Açúcar por muito tempo porque era uma empresa (em que) naquela época já existiam divergências societárias entre meu pai e seus irmãos, meu avô. Isso já era uma briga pública, não estou contando nada que o público já não saiba aqui. Eu não queria ficar nesse ambiente de briga, de disputa, mas falei: ‘eu preciso estar do lado do meu pai quando ele faz um pedido desse’.
Entrei por uma portinha que eu falo muito pequena, com uma responsabilidade muito pequena, na área de imprensa e relações públicas porque eu conhecia, acabei conhecendo muitos jornalistas por essa minha experiência na editora Abril. Eu entrei com essa responsabilidade. A empresa também tinha um desafio de mudança de imagem perante a imprensa. Ela era uma empresa muito fechada, que não tinha uma transparência muito grande para a imprensa. Eu entrei com esse desafio. Foi muito legal, eu fui assumindo mais responsabilidades na área de marketing, depois na área de recursos humanos. Acabei me apaixonando pela empresa familiar nesse momento e fiquei com muita vontade de ficar e transformar, fazer o melhor de mim lá dentro e empreender lá dentro. Descobri muito espaço para empreender dentro da empresa familiar.
Participei da reestruturação toda do Pão de Açúcar, que foi uma coisa muito traumática para a empresa, mas nessa reestruturação meu pai conseguiu, de um lado, resolver os problemas societários com a família dele, com seus irmãos e com meu avô. Ele se tornou majoritário, controlador da empresa. Depois a gente fez o IPO da empresa, eu participei de todo esse capítulo, primeiro do enxugamento da empresa e depois da reconstrução. Foi muito rico, eu realmente tive inúmeras experiências enriquecedoras, primeiro na área de marketing, do reposicionamento das marcas todas, que a gente tinha muitas marcas de supermercados. A gente reposicionou tudo isso no mercado.
Depois, quando eu assumi o RH, eu falo que tive a oportunidade de viver as duas pontas humanas da empresa, de um lado o cliente – a gente criou a ombudsman da empresa para ouvir o cliente de uma forma mais genuína – e ao mesmo tempo o funcionário. Eu cuidei dessas duas pontas bem humanas do negócio, foi aí que eu também virei, Flavia, como você, uma apaixonada por desenvolvimento humano. Aprendi muita coisa nessa área e exercitei, pude aplicar muita coisa de tudo isso que eu estava lendo e aprendendo na empresa. Foi um capítulo muito enriquecedor. Fiquei lá até 2003, quando a gente tomou a decisão em família de sair, que os executivos não poderiam mais ser membros familiares. Tomamos essa decisão junto com John Davis, que é professor de Harvard, que eu conheci em um programa que eu fui fazer em Harvard, no OPM (Owner/President Management). Trouxe ele para conversar com a minha família, a gente fez essas conversas e chegou à conclusão de que a gente sairia das nossas posições executivas.
Na verdade, quem saiu fui eu da posição executiva porque só eu tinha posição executiva e meu pai. O João Paulo tinha uma posição de conselho e uma posição mais pontual, não tinha uma responsabilidade dentro da empresa. O meu pai era o presidente, era o CEO, ele virou o chairman nessa altura, mas continuou bastante atuante. Quem realmente saiu fui eu. Aí fui fazer meus outros capítulos empreendedores e nessa hora eu tive muito medo da minha perda de identidade porque eu era quase ‘Ana Maria Pão de Açúcar’, era ‘Ana Maria Diniz Pão de Açúcar’. Todo mundo sabia da minha atuação lá, estava muito atrelada ao meu cargo. Quando saí, eu era vice-presidente de operações, era uma função importante, e eu estava realmente apegada àquela posição e tudo. Tinha muitos sonhos para a empresa, que acabei colocando de lado para assumir uma posição no conselho, eu já estava no conselho, mas daí fiquei só com a posição do conselho.
Fui pensar na minha vida, o que poderia ser a vida além do Pão de Açúcar. Sempre tive uma carreira paralela a essa, que é esse meu interesse, essa minha paixão por educação. Quando eu saí do Pão de Açúcar, também fui buscar alguma coisa para continuar atuando em educação, já que no Pão de Açúcar a gente tinha o Instituto Pão de Açúcar, que também foi criado por mim. A família apoiou muito, mas fui eu que criei essa sementinha, que fazia educação em contraturno para as crianças, filhos dos funcionários, depois se abriu para todas as comunidades onde a gente atuava. Eu queria continuar atuando em educação, então fui conversar com um grupo de pessoas, empresários que eu conhecia.
Esse país tem que ter um projeto de educação para ir além dos governos, para que seja uma coisa mais estratégica para o país. Estava se criando no empresariado também um consenso de que isso era necessário. A Milu Villela estava começando esse movimento, o Todos pela Educação, me chamou para participar. Eu participei, fui uma das fundadoras do Todos pela Educação. Entrei também na Parceiros pela Educação, que é uma outra ONG que ajuda empresários a adotarem escolas públicas, que é muito bacana, porque você consegue sentir o que está acontecendo dentro da escola pública, por a mão na massa na escola pública e ajudar, por exemplo, os gestores a serem melhores gestores, os professores a se desenvolverem mais com programas de desenvolvimento dos professores. Fui aprendendo tudo isso, conhecendo muita gente dessa área de educação. Hoje sou – tem alguns que me chamam de especialista em educação – mas eu sou uma grande apaixonada por educação, que acabei acumulando, sim, uma bagagem bem grande nessa área. Continuo atuando até hoje nessa área de educação e acho que é importante para o país.
FC: Você diz que está se tornando “Ana Maria” em primeiro plano. Qual o conselho para membros de famílias empresárias?
AMD: Primeiro, acho muito difícil dar conselho, realmente acho que conselho é muito customizado. Não dá para dar conselho para qualquer pessoa. Se você conhece a pessoa, dá para dividir um pouco a sua história e inspirar a pessoa. Diferentes momentos da sua história vão inspirar diferentes pessoas, mas uma coisa que eu acho que todo mundo de família empresária vive, acho que é uma coisa para prestar atenção, é essa dicotomia entre a responsabilidade de levar o legado da família adiante, de perpetuar essa empresa ou esse empreendimento familiar ou respeitar sua essência. Quando digo que estou me transformando cada vez mais em ‘Ana Maria’ e menos ‘Ana Maria Diniz’ é assim: hoje aos 60 anos eu estou respeitando muito a minha essência e menos me importando com o que estão pensando de mim e indo mais de encontro com aquilo que eu realmente quero fazer e a marca que eu quero deixar no mundo. Eu sou super responsável, então eu nunca vou esquecer da minha responsabilidade com a empresa. Acho que é legal pensar nisso também. Só acho que às vezes tem um desequilíbrio e na minha vida eu senti nessa trajetória, muitas vezes, um desequilíbrio para o lado da responsabilidade e menos para o lado da Ana. Isso talvez seja um conselho, uma coisa para as pessoas prestarem atenção, olha para aquilo que você é de verdade, a diferença que você pessoalmente, individualmente, pode fazer no mundo, independente da sua família. Queira ser o melhor de você, aí você vê como isso se encaixa com a sua família, que tipo de contribuição você pode trazer, mas não deixe que a família, o poder muito aquilo que você é de verdade. Acho que esse equilíbrio é importante.
FC: Ana, qual legado você está escrevendo?
AMD: Acho essa palavra bem pesada, por onde eu passar, eu quero deixar melhor aquele lugar. Tenho uma marca também que vem um pouco desse acúmulo de imersão que eu fiz no mundo da educação, eu gostaria muito de deixar para este país uma educação melhor do que antes da Ana estar aqui, ganhar mais qualidade principalmente na educação pública onde estão 85% da população brasileira em idade escolar. Pensando em alguma coisa para deixar, é uma contribuição real de programas inovadores, de tudo que eu fui privilegiada de ter acesso, trazer para o mundo e dar inserção para que a população possa ter. Eu falo que, para mim, felicidade não é um objetivo, para mim, felicidade é uma consequência da realização. Cada um tem um tipo de realização, você precisa de determinadas coisas, eu preciso de outras. Cada um aqui precisa de coisas muito próprias para poder se realizar. Para mim é essa história de fazer a diferença no mundo, participar positivamente da construção de um mundo melhor.
Por Flavia Camanho – Forbes Brasil