Crime bárbaro só não chocou um governo malvisto pelo mundo

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Como imprensa internacional repercutiu confissão de assassinato de Dom Phillips e Bruno Pereira

A imprensa internacional repercutiu a informação dada por autoridades brasileiras de que um pescador confessou ter assassinado o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips na Amazônia.

O jornal americano New York Times afirmou que os desaparecimentos são “um capítulo escuro na recente história sangrenta da Amazônia”.

“Phillips dedicou grande parte de sua carreira a contar as histórias do conflito que devastou a floresta tropical, enquanto Pereira passou anos tentando proteger as tribos indígenas e o meio ambiente em meio a esse conflito. Agora parece que o trabalho se tornou mortal para eles, mostrando até que ponto as pessoas estão dispostas a explorar ilegalmente a floresta tropical”, escreveu o jornal americano.

O diário destacou a experiência e o profissionalismo do jornalista britânico.

Dom Phillips mora em Salvador e faz reportagens sobre o Brasil há mais de 15 anos BBC News. Reprodução

“Phillips era um correspondente experiente que fazia reportagens no Brasil há 15 anos, incluindo um período como escritor freelancer para o Times em 2017. Sua especialidade eram histórias profundas sobre grupos vulneráveis em lugares de difícil acesso na Amazônia, tornando-o particularmente experiente com o tipo de viagem que se tornou a sua última.”

O jornal britânico The Guardian, para o qual Dom Phillips escrevia, disse que o “anúncio [da Polícia Federal] pôs um triste fim a uma busca de 10 dias que horrorizou a nação e destacou os crescentes perigos enfrentados por aqueles que ousam defender o meio ambiente e as comunidades indígenas do Brasil, que enfrentam um ataque histórico sob o presidente de extrema direita do país, Jair Bolsonaro”.

A publicação também descreveu que na coletiva de imprensa da PF em Manaus “militares e policiais se parabenizaram pelo trabalho realizado, antes de reconhecerem tardiamente o papel desempenhado pelos indígenas que ajudaram a liderar as buscas”.

O The Guardian está cobrindo o tema com regularidade, e entre outras publicações, divulgou um perfil de Phillips e Pereira intitulado “O escritor e o ativista: como Dom Phillips e Bruno Pereira se uniram pela Amazônia”.

“Era para ser uma das últimas viagens de Dom Phillips à Amazônia, o pontapé inicial de um livro que revelaria toda a exuberante complexidade da maior floresta tropical do mundo. Em vez disso, parece ter sido um capítulo final para Phillips e seu amigo Bruno Pereira, especialista em indígenas e guia”, escreveu o jornal, que promove uma campanha de arrecadação de fundos para os familiares dos desaparecidos.

O britânico Financial Times, de notícias financeiras, também destacou as pressões que jornalistas e ambientalistas sofrem na Amazônia.

O indigenista Bruno Pereira. Foto Daniel Marenco/O Globo

“Indígenas e funcionários de organizações não governamentais há muito suportam o peso da agressão de grupos que operam ilegalmente na área. Ambientalistas dizem que a situação se deteriorou dramaticamente desde a eleição em 2018 do presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro, cuja retórica em apoio a garimpeiros e madeireiros ilegais foi tomada como sinal verde para arrasar a floresta tropical”, escreveu o FT.

“As agências de fiscalização ambiental do Brasil também foram submetidas a cortes orçamentários, que resultaram em redução de mão de obra e uma crescente sensação de impunidade entre os operadores ilegais da região.”

A versão britânica da Bloomberg, canal econômico, repercutiu os desdobramentos mais recentes compartilhando a declaração da esposa de Dom Phillips dizendo que “agora podemos trazê-los para casa e nos despedir com amor”.

O jornal espanhol El País também vinha publicando atualizações sobre o caso, e conta hoje com a coluna da jornalista brasileira Eliane Brum sobre o tema, que leva o título “Dom e Bruno são vítimas de guerra.”

Em publicações traduzidas para diferentes idiomas, o alemão DW (Deutsche Welle) levantou o questionamento se Dom e Bruno foram vítimas por suas lutas em proteção às terras indígenas e destacou comentários do presidente Jair Bolsonaro que não foram bem recebidos por parte do público.

O americano Washington Post destacou em sua reportagem declarações de Bolsonaro, em que o presidente fala que as reportagens de Phillips desagradavam muitos na Amazônia e sugerindo que o jornalista deveria ter tomado precauções maiores em sua viagem.

“Esse caso tem sido acompanhado de perto no Brasil, onde uma das questões mais polêmicas é sobre se a floresta amazônica deve ser desenvolvida ou preservada. O presidente Jair Bolsonaro, um forte defensor do desenvolvimento, que já apoiou garimpeiros e desmatadores ilegais, culpou Phillips por seu desaparecimento. Em um comunicado na quarta-feira, ele disse que o jornalista era ‘‘malvisto na região.”

Mesmo antes da descoberta dos corpos, a imprensa internacional já estava cobrindo intensamente o caso. Em uma carta aberta ao presidente Jair Bolsonaro e aos ministros da Defesa e Relações Exteriores, publicada na semana passada, editores do The Guardian, The New York Times, The Associated Press e vários outros veículos nacionais e estrangeiros haviam expressado “extrema preocupação com a segurança e o paradeiro” dos dois homens.

Os jornalistas pediram por mais esforços nas buscas, em um momento em que as autoridades eram acusadas de empregar poucos recursos.

“Como editores e colegas que trabalharam com Dom, estamos muito preocupados com relatos de que os esforços de busca e resgate até agora têm recursos mínimos, com as autoridades nacionais demorando a oferecer limitada assistência’’, diz o texto.

Por BBC News