Na Netflix, filme com Donald Sutherland vai te intrigar até o fim

Roteiro é baseado em um conto de Stephen King

Tudo é inverossímil no cinema, mas funciona. O pistoleiro italiano filmado na Espanha é mais rápido do que dez malfeitores, Marty McFly viaja no tempo, Tom Cruise correndo alcança o avião na pista prestes a levantar voo, as pessoas morrem na tela e logo depois dão entrevistas e assim por diante. Porque o cinema se basta e usa temas e personagens sob suas próprias leis.

Não se engane. No filme “O Telefone do sr. Harrigan” (2022) não é suspense ou terror sobre o duelo das tecnologias, é sobre cinema que diverte quando pretende assustar. O garoto que sonha ser roteirista de cinema é desestimulado pelo bilionário apaixonado por livros clássicos e que despreza quem adapta a literatura para os limites da Sétima Arte. Suprema ironia de uma obra baseada num conto de Stephen King, o autor best seller que fornece material para inúmeros sucessos audiovisuais. Aqui o roteiro simplesmente pega carona num lugar comum: o de que todo filme baseado num livro é inferior ao livro.

Não importa se é verdade ou não. É tão verossímil como as cenas de um financista bem-sucedido que ignora a internet e se baseia em informações veiculadas no jornal de ontem. Como é verossímil o contato com os mortos via celular.

O vilão da história não é o perigo que representa para o jornalismo os recursos da internet voltados para a mentira. Mas sim o luto não assumido pelo órfão de mãe que prefere mentir para si mesmo que a mãe não morreu. Essa falsidade a empurra para a admiração e o conforto da convivência com o bilionário vingativo que adora literatura, mas encontra realização no poder do dinheiro.

A magia se quebra quando o rapaz perde o protetor e vê-se a sós com o verdadeiro pai, com quem evita conversar. Descobre que precisa assumir a ausência real da mãe morta e livrar-se da presença além-túmulo do velho rico.

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São situações psicológicas tratadas como cenas de vidas verdadeiras que cercam os personagens. Um truque que funciona no jogo de espelhos do cinema, que nos convence com imagens, diálogos e sons como as palavras de um romance. A luta é desigual. Um livro conta apenas com 23 letras que se combinam infinitamente. Enquanto o cinema conta com todos os recursos da representação, mas está limitado ao seu espaço de frames onde joga pesado tentando fazer do que não existe obras que funcionam como uma reportagem sobre abduções.

O diretor John Lee Hancock é um mestre na manipulação.  Nos convenceu que houve heroísmo e dignidade no Álamo evitando as feridas americanas e sem cair na patriotada. E Donald Sutherland, que mesmo sentado o tempo todo diante das câmaras devido à idade avançada, pode nos impressionar com seu rosto detonado e a voz de quem assusta criancinhas, mas é um homem bom e justo apesar de assassino. O garoto que lê livros para ele é o narrador desse filme que tem tudo para ser esquecido, mas pode surpreender. Basta que se preste atenção no próprio filme e não nas lições de vida que pretende passar.

Filme: O Telefone do sr. Harrigan

Direção: John Lee Hancock

Ano: 2022

Gêneros: Suspense/Terror

Fonte Revista Bula