O bicho está pegando

Desmatamento na Amazônia está trazendo muitos problemas para o Brasil. Foto Wikimedia

Desmate na Amazônia favorece aumento de bactérias resistentes a antibióticos no solo

Um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e colaboradores mostrou que o desmatamento na Amazônia causa um aumento na diversidade de bactérias resistentes a antibióticos. O artigo, publicado na revista “Soil Biology and Biochemistry”, comparou os microrganismos que vivem no solo da floresta nativa com aqueles encontrados em pastagens e plantações. Nas áreas desmatadas, observou-se uma quantidade muito maior de genes que sinalizam a resistência a antimicrobianos.

“As bactérias produzem substâncias para atacar umas as outras. Essa competição por recursos é comum em qualquer ambiente. Quando uma área é desmatada, porém, uma série de fatores aumenta a competição, favorecendo justamente aquelas bactérias que podem resistir a essas substâncias. Se chegam aos humanos, esses microrganismos podem se tornar um grande problema”, explica Lucas William Mendes, pesquisador apoiado pela Fapesp no Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena-USP), em Piracicaba, e um dos autores do estudo.

A pesquisa integra um projeto coordenado por Tsai Siu Mui, professora do Cena-USP e coautora do artigo.

Problema de saúde pública

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Nossa produção de soja pode sofrer grande preju[izos. Foto by Mark Stebnicki

No trabalho realizado pelos pesquisadores do Cena-USP, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP) e do Laboratório Nacional de Computação Científica, em Petrópolis (RJ), foram analisados cerca de 800 milhões de sequências de DNA. Elas foram extraídas de 48 amostras de solo de áreas do Pará e do norte do Mato Grosso.

Usando ferramentas de bioinformática, os pesquisadores compararam o material genético das amostras com um banco de dados de genes conhecidos pela resistência a antibióticos. Foram encontrados 145 genes com essa característica, capazes de resistir à ação de antibióticos por meio de 21 mecanismos moleculares diferentes. Ainda que bactérias resistentes a antibióticos estejam presentes no solo florestal, esses microrganismos e seus mecanismos de resistência são muito mais abundantes nos solos de pastagens, áreas desmatadas e plantações.

Microrganismos do desmatamento

Em trabalhos anteriores, o grupo do Cena-USP observou que, apesar da menor diversidade de microrganismos no solo da floresta, há uma maior abundância de bactérias que exercem funções benéficas para as plantas – como ciclagem de nutrientes e aumento da fotossíntese – e mesmo para a atmosfera, como a fixação de carbono e o consumo de metano. Esses gases são os principais responsáveis pelo efeito estufa.

No estudo atual, chamou a atenção dos pesquisadores a grande quantidade de bactérias resistentes a dois tipos específicos de antibióticos, tetraciclina e betalactamase. Medicamentos com esses princípios ativos são largamente utilizados no tratamento de doenças do gado. Eles podem chegar ao solo por meio das fezes e da urina, uma vez que os bovinos têm baixa absorção de antibióticos. O uso de esterco como adubo pode, segundo os pesquisadores, contribuir para a propagação das bactérias resistentes.

Foto Pexels

Solução no próprio solo da floresta

Tampouco há soluções imediatas para impedir o surgimento dessas bactérias em solos cultivados. Um manejo que leve em consideração outras funções dos microrganismos além da produtividade das plantas, como ciclagem de nutrientes e diminuição de espécies produtoras de metano, pode ajudar a mitigar o problema.

Isso pode ser feito com o transplante de solo natural para uma área cultivada ou mesmo com o uso de inoculantes. Esses produtos baseados em microrganismos levam para o solo funções importantes que podem, de quebra, diminuir o uso de fertilizantes e agrotóxicos, a ponto de serem vistos como um potencial mercado de bilhões de dólares (leia mais em: agencia.fapesp.br/33665/).

No caso da Amazônia, as soluções e oportunidades podem estar ao lado de um pasto ou de uma plantação, no próprio solo da floresta nativa.

Por André Julião / Agência FAPESP – Revista Planeta