Comerciantes na corda bamba

cheerful handsome waiter standing at food track counter
Foto Kampus Production

Empresários fazem malabarismo para manter as portas abertas

No centro histórico de São Paulo, a Rua do Comércio já não faz jus ao nome. Quem entra nessa ruela não se depara com vitrines chamativas, mas sim com portas fechadas e placas de aluguel. “Ali era uma sapataria que existia há 60 anos. E ali tinha um bar que a fiscalização fechou por desrespeitar as medidas sanitárias”, aponta Vitor Sapolnik, 55, proprietário do Caffè Latte, um dos únicos comércios que sobreviveu na Rua do Comércio. Efeitos de uma pandemia cuja crise causou uma queda de 4,1% no PIB em 2020, a maior em 24 anos, e o desemprego na casa de 14 milhões de pessoas.

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O Caffè Latte surgiu no mesmo lugar onde está até hoje, em 2004, quando Sapolnik decidiu ter uma vida “mais tranquila” e realizar o sonho de montar uma cafeteria, após décadas trabalhando em multinacionais. Nesses 16 anos, o negócio se expandiu para uma unidade na Avenida Paulista (centro), duas em escritórios na Vila Clementino (zona sul) e Lapa (zona oeste) e uma versão pocket, a duas quadras da original, também no centro, inaugurada um mês antes do Governo decretar a quarentena pelo novo coronavírus.

Redução de 12 para 7 funcionários no Café Latte em São Paulo. Foto Toni Pires El País

A cafeteria cresceu tendo como público-alvo os executivos que, nos intervalos pré e pós almoço, deixavam seus escritórios no centro para tomar um café e comer um bolo. Exatamente a classe que, desde março de 2020, passou em sua grande maioria a adotar o home office. “O fluxo caiu drasticamente e sofremos em todas as nossas lojas”, conta o dono. O Caffè ficou fechado entre março e junho do ano passado, abriu só para delivery e, hoje, funciona com 60% da capacidade e seguindo os protocolos sanitários da Prefeitura — entre eles, a ausência de mesas na calçada, o que Sapolnik considera “um absurdo de outro mundo, já que é o lugar mais ventilado”.

Quando estava completamente fechado, Vitor publicou um texto nas redes sociais do estabelecimento em que apelava para uma ajuda financeira dos Governos municipal, estadual e federal, e alcançou mais de um milhão de visualizações. “Presidente, Paulo Guedes, Maia, Alcolumbre, Doria, Covas, façam alguma coisa para salvar os negócios, os empregos e a economia”, escreveu. Através da repercussão, Sapolnik conseguiu financiamentos, renegociações de aluguel e readequações na loja física, mas não o suficiente para lidar com todas as dívidas. O proprietário não sabe o que fará com as outras unidades; ele trabalha hoje com 30% do faturamento pré-covid e precisou demitir 16 dos 40 funcionários, cinco deles na loja principal. “E não posso demitir mais pelos períodos de estabilidade que eles têm pelas suspensões de contrato. Se pudesse demitiria, porque não tenho condições de pagar esses salários”, completa.

“O ramo da alimentação sucateou”, resumiu Alexandre Azevedo, 42, proprietário do restaurante self-service Retiro do Caçador, na zona oeste de São Paulo. “Já vínhamos de uns três anos com falta de crescimento antes da pandemia. Não acumulei dívidas [no último ano] porque usei todo o meu dinheiro, mas a maioria [do setor] deve para bancos e distribuidores”, contou. Segundo contas da Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), mais de 50.000 estabelecimentos do ramo fecharam no Estado desde o início da pandemia. Azevedo administra há 23 anos o restaurante inaugurado pelo seu pai, em 1978, na Rua Heitor Penteado, que funciona sete dias por semana; e uma filial no bairro de Perdizes, que abre de segunda à sexta, mais voltada ao público executivo.

O restaurante original fechou apenas no início da pandemia, enquanto o secundário ficou parado por nove meses em 2020. Em Perdizes, onde seu estabelecimento atendeu oito pessoas nesta terça-feira (2), trabalham três funcionários onde antes eram 14. No outro, a mão de obra caiu de 19 para 13. Ao longo dos 30 minutos em que conversou com a reportagem, no estabelecimento da Heitor Penteado, no fim da hora de almoço desta terça, o dono do restaurante parou sete vezes para pesar pratos ou receber os pagamentos de seus clientes. “Desculpa, preciso ficar de olho no caixa”, justificou. A ANR (Associação Nacional de Restaurantes) estima que 84.000 pessoas perderam o emprego no setor em São Paulo. Azevedo viu o faturamento cair pela metade no início da crise, mas hoje chegou a 80% do que tinha em janeiro do ano passado. Em comparação com a situação de Sapolnik, ele tem uma vantagem: o delivery consolidado desde antes da covid-19. “Antes, 30% do nosso faturamento já era com delivery. Agora foi para 70% e compensou o que eu perdi no salão. A diferença é que tenho o iFood como sócio”, explicou.

Café Latte em São Paulo. Foto Toni Pires/El País

Sobre as posturas dos Governos estadual e federal, Sapolnik e Azevedo convergem ao não tomar lado na briga entre Jair Bolsonaro e João Doria, que tiveram posturas conflitantes na forma como lidaram com a pandemia. “Eu achei que se precipitaram ao fechar o comércio no começo. Mas temos que levar em consideração que o mundo não sabia o que fazer”, opinou Alexandre. “Todos erraram. Faltou capacidade de se planejar e mudar conforme a necessidade”, completou Vitor. Os empresários admitem que é mais seguro confirar aos cientistas a tomada de decisão acerca das medidas restritivas para o comércio. “Sou do time que acha que precisa resolver a saúde para resolver a economia. A culpa da crise é da pandemia, não da quarentena”, conclui Sapolnik.

O Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte), que forneceu crédito aos microempresários, e o auxílio emergencial, que ajudou no custo de alguns funcionários, foram citados como medidas do Governo federal que ajudaram ambos os proprietários. Mas os dois ressaltam que não foi o suficiente, já que o Pronampe começará a ser pago antes do fim da pandemia e o auxílio acabou no ano passado. De resto, Sapolnik critica a relação com a gestão de Bruno Covas na Prefeitura, especialmente por não isentar o IPTU. “O único contato que temos com eles é através do boleto e da fiscalização”, reclama.

Para além do ritmo lento da vacinação no país, a expectativa dos donos de estabelecimentos é de alta na inflação e incertezas no cotidiano em 2021. “O ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços] aumentou, o preço da carne dobrou enquanto o preço do meu quilo só aumentou 5%. Uma hora isso vai estourar”, justificou Azevedo. A recuperação, garantem os dois, será lenta — se é que virá. “Ficamos apreensivos porque não sabemos como será essa normalidade. Quando vão voltar aos escritórios, quantos vão voltar para as cafeterias. A gente só quer que isso passe logo”, disse o dono do café.

Por Diogo Magri – EL PAÍS