ESTUDO APONTA QUE 20% DAS EXPORTAÇÕES DE SOJA DO BRASIL PARA EUROPA TEM RASTROS DE DESMATAMENTO ILEGAL

Foto Herney Gómez/Pixabay

Um estudo divulgado pela revista Science nesta quinta-feira (16) afirma que até 22% da soja e pelo menos 17% da carne bovina produzidas na Amazônia e no Cerrado e exportadas para a União Europeia podem ter rastros de desmatamento ilegal.

O estudo conclui também que apenas 2% das propriedades localizadas nesses biomas, os mais desmatados do Brasil, são responsáveis por 62% do desmatamento ilegal nessas regiões.

O levantamento afirma que boa parte dessa derrubada ilegal está associada à produção de alimentos ligados à exportação.

O artigo intitulado “As maçãs podres do agronegócio brasileiro” foi escrito pelo pesquisador brasileiro Raoni Rajão, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e contou com 12 pesquisadores de Brasil, Alemanha e Estados Unidos.

A situação ambiental no Brasil tem sido um dos entraves para a aprovação do acordo comercial entre UE e Mercosul, anunciado em junho do ano passado e que ainda aguarda aprovação de todos os países envolvidos.

Veja principais pontos do estudo:

  • No caso da soja, os agricultores usam terras desmatadas ilegalmente para produzir outras culturas, utilizando as áreas regulares para cultivo do grão e, assim, escapar de embargos;
  • Na carne bovina, o problema envolve os fornecedores indiretos, que são aqueles que vendem bezerros e boi magro para engordar em fazendas regulares e que não são fiscalizados por governos e empresas;
  • Cerca de 45% das propriedades na Amazônia e 48% no Cerrado que fornecem soja e carne para exportação ainda não estão cumprindo as medidas de reflorestamento e preservação do Código Florestal.
53 mil propriedades produtoras de soja nos dois biomas, 20% cultivaram o grão em terras desmatadas após 2008 Foto Charles Echer/Pixabay

Para chegar aos números apresentados, a equipe de pesquisadores analisou um conjunto de mapas sobre o uso da terra e o desmatamento no Brasil, chegando a cerca de 815 mil propriedades rurais.

A análise foi baseada em imagens de satélite e documentos públicos, como o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e as Guias de Trânsito Animal (GTA). Não são citadas empresas e nem pessoas.

“São poucos imóveis que estão causando esse problema para os outros produtores, por isso que são essas maçãs podres”, diz ao G1 Raoni Rajão, que afirma que é o primeiro estudo que conseguiu mapear toda uma cadeia de produção.

  1. Análise dos dados

A escolha pela Amazônia e Cerrado, justificam os pesquisadores, ocorre porque são os biomas brasileiros com grandes taxas de desmatamento. Já a opção pela análise das cadeias de soja e carne bovina ocorre porque são os principais produtos de exportação do agronegócio.

O estudo usou como parâmetro a legislação ambiental do país, o Código Florestal, de 2012. A lei deu anistia a quem desmatou antes do dia 22 de junho de 2008. Após essa data, qualquer derrubada de florestas, fora dos limites legais, deverá ser punida.

No caso da Amazônia, os agropecuaristas só podem produzir em 20% da área, os outros 80% devem ser preservados. Se a propriedade já tinha menos do que isso antes de junho de 2008, deverá aderir a um programa de regularização ambiental para reparar o que falta. Caso o desmatamento ocorra depois disso, o dono da terra deverá ser punido.

Para o Cerrado, a regra é que, se for em um estado da Amazônia Legal, o agropecuarista deve preservar 35% da área. Se a propriedade estiver em um estado fora dessa região, a preservação deverá ser de 20%.

Diante disso, o artigo publicado na Science conclui que 45% das propriedades rurais da Amazônia e 48% das do Cerrado que fornecem soja e carne para exportação não cumprem o Código Florestal brasileiro dentro desses limites de preservação.

Porém, o agropecuarista tem até este ano para entrar nos programas de regularização ambiental, que dão 20 anos para que esses produtores recuperem as áreas a mais que foram desmatadas até 22 de junho de 2008.

“Enquanto a maioria das exportações agrícolas do Brasil é livre de desmatamento, uma parcela pequena, mas muito destrutiva do setor ameaça minar o futuro econômico do agronegócio do país, além de contribuir para a crescente crise ambiental e climática regional e global”, dizem os autores.

  1. Rastro da soja

O artigo diz que, das 53 mil propriedades produtoras de soja nos dois biomas, 20% cultivaram o grão em terras desmatadas após 2008. Os autores estimam que metade dessa soja foi produzida em terras recentemente desmatadas de maneira ilegal.

Cerca de 69% da soja brasileira exportada para a União Europeia é proveniente da Amazônia e do Cerrado.

Segundo o estudo, aproximadamente dois milhões de toneladas de soja cultivadas em propriedades com desmatamento ilegal podem ter atingido os mercados da UE, sendo 500 mil toneladas vindas do bioma amazônico.

Na maioria dos casos, as áreas recentemente desmatadas não são usadas para cultivar soja, já que existe uma moratória para a compra desse grão na Amazônia.

Ou seja, a soja não foi produzida em área desmatada ilegalmente, escapando do embargo. Porém, a pesquisa afirma que essas fazendas liberaram ilegalmente suas terras para pastagens e outras culturas que não sofrem moratória.

  1. Fluxo da carne bovina
de um total de 4,1 milhões de cabeças negociadas em frigoríficos, pelo menos 500 mil cabeças vêm diretamente de propriedades que podem ter desmatamento ilegal Foto DAVID MAJELA

No que diz respeito à carne bovina, a UE importa cerca de 189 mil toneladas por ano. Os autores descobriram que, de um total de 4,1 milhões de cabeças negociadas em frigoríficos, pelo menos 500 mil cabeças vêm diretamente de propriedades que podem ter desmatamento ilegal.

Isso representa 2% da carne produzida na Amazônia e 13% no Cerrado. Mas o maior problema, diz o estudo, está nos fornecedores indiretos de gado, que vendem bois magros para as operações de engorda e que não estão sendo monitorados pelas empresas e nem pelo governo.

Ao analisar os fluxos de gado entre fazendas no Pará e em Mato Grosso (dois dois maiores produtores do país), o estudo estima que cerca de 60% de todas as cabeças abatidas estão potencialmente contaminadas com o desmatamento ilegal em algum ponto da cadeia de suprimentos.

  1. Pressão de outros países

Para os pesquisadores, é importante que os grandes parceiros comerciais se mobilizem para pressionar o Brasil a preservar o meio ambiente.

Um dos exemplos citados é que a União Europeia use o acordo comercial com o Mercosul para exigir salvaguardas ambientais, como o cumprimento à risca do Código Florestal.

“Inegavelmente, todos os parceiros econômicos do Brasil devem compartilhar a culpa por promover indiretamente o desmatamento e as emissões de gases de efeito estufa, não impedindo as importações e consumindo produtos agrícolas contaminados com o desmatamento, ilegais ou não”, escrevem os autores.

O estudo estima que cerca de 60% de todas as cabeças abatidas estão potencialmente contaminadas com o desmatamento ilegal Foto Bruno Germany/Pixabay
  1. Problemas e soluções

“O estudo tem dois grandes resultados: ele apresenta o problema e, pela primeira vez, mostra o tamanho do problema da contaminação do desmatamento ilegal na cadeia produtiva, mas também mostra a solução”, explica Rajão.

Os pesquisadores desenvolveram um software gratuito para que empresas, governos e outros pesquisadores também possam fazer a análise dos dados.

“O software foi desenvolvido para fazer esses cruzamentos de centenas de milhares de imóveis ligadas a produção e exportação, e esse sistema pode ser utilizado para melhorar o monitoramento da própria cadeia. Então essa é uma de nossas soluções para o problema.”

Por Rikardy Tooge, G1 AGRO