Participação do Estado saltou de 2% para 10%, segundo técnicos da Famasul
Tenha chuva ou faça sol, o agronegócio se fortalece. Com crescimento de 19% ao ano nas últimas duas décadas, a pecuária de Mato Grosso do Sul aumentou sua fatia no bolo das exportações de carne. A participação do Estado saltou de 2% para 10%, segundo observam técnicos da Famasul (Federação da Agricultura de Mato Grosso do Sul). A tecnologia tem tudo a ver com esse crescimento. De acordo com o gerente técnico José Pádua, o coordenador André Nunes e a analista Eliamar Oliveira, a qualidade da carne, aliada a “melhoria na renda e mudança nos hábitos de consumo de grandes países consumidores e o alto custo de produção em países concorrentes” dão mais competitividade ao produto brasileiro.
Quase 70% da área do Estado é destinada à produção agropecuária, 22% são da agricultura, atividade que, mesmo suscetível às adversidades climáticas, tem altos ganhos de produtividade. “O crescimento da produção nos últimos 11 anos ocorreu a partir da transformação de mais de 3 milhões de hectares de áreas de pastagens em agricultura e foi potencializada pela aplicação de tecnologia, que fez com que a produtividade crescesse 9,2% no mesmo período. Consolidando a rotação de cultura como técnica para melhorar a qualidade e recuperar solos degradados. E vai crescer muito mais, com a integração agricultura e floresta plantada. Mato Grosso do Sul ocupa a primeira posição no remanejamento de áreas de pastagens degradadas ou não para o sistema integrado lavoura, pecuária e floresta. Na vanguarda desse modelo, o Estado já dispõe de 3 milhões de hectares para a agricultura. Com a ajuda da tecnologia, a projeção é de crescimento da produtividade em 9,2%.
Analistas da Famasul observam ainda que a agricultura familiar pode e deve se beneficiar dos avanços da ciência e das inovações tecnológicas para produzir de forma eficiente com o desenvolvimento de atividade capaz de gerar volume de produção com potencial de competir no mercado.
Confira entrevista com os técnicos da Famasul sobre o panorama do agronegócio diante dos “altos e baixos” das crises e oportunidades.
Pergunta – No quarto trimestre de 2021 o agronegócio balançou, em razão da piora nos preços, mas no cômputo geral o PIB agregado fechou em alta. Qual dos segmentos (primário/commoditie, insumos, agroindústria e agrosserviços) tem obtido bom desempenho e melhor remunerado o produtor de Mato Grosso do Sul?
Eliamar Oliveira – Analista Técnica – No quarto trimestre de 2021 o PIB da agropecuária, já descontados os efeitos sazonais, cresceu 5,8% no comparativo com o trimestre anterior, no entanto encerrou 2021 com retração 0,2%. O fator que contribuiu para a queda entre 2020 e 2021 foi a redução na produtividade das atividades. Em Mato Grosso do Sul a produção de grãos foi 8% menor, a carne bovina e o leite decresceram 11% e 9%, respectivamente.
A menor oferta e os custos de produção elevados impactaram nos preços. A soja e o milho foram os que mais valorizaram porque, além dos fundamentos anterior, foram influenciados pelos altos preços no mercado externo e dólar em alta. O aumento foi observado também no setor de proteínas, com melhor remuneração na arroba do boi e quilograma de frango e suínos. Os preços maiores serviram para garantir margem aos produtores diante dos custos de produção maior.
Pergunta – Mato Grosso do Sul, como produtor de grãos, também está no olho do furacão de riscos da instabilidade climática e oscilações do mercado. Agora, com a crise colateral da guerra, como o produtor vai se proteger das incertezas provocadas pelo clima, alta dos custos de produção, volatilidade do mercado e variação cambial?
José Pádua – Gerente Técnico – Todas essas variáveis são imprevisíveis e não controláveis pelos produtores, portanto a interferência delas e os efeitos causados no resultado das lavouras e financeiro do negócio serão menores ou maiores dependendo de estratégias e gestão adotada por eles. Isso envolve inclusive realizar o plantio respeitando o ZARC [Zoneamento Agrícola de Risco Climático] com aproveitamento da janela de plantio, fazendo a gestão de risco com a adesão ao seguro rural, gerenciando a compra de insumos e o processo de comercialização sempre baseado em dados, informações, e com uso de sistemas para subsidiar a tomada de decisão. O mercado financeiro de futuros também pode garantir segurança na hora da comercialização das comodities. A diversificação na produção tende a aumentar, produtos mais seguros serão a opção dos produtores, como por exemplo a pecuária, que tem maior liquidez.
Pergunta – Além dos custos com preparação do solo, adubo, fertilizante, semeadura e colheita, com a chamada mecanização agrícola, o agronegócio tem investido muito em tecnologia e inovação. É possível hoje competir no mercado da chamada agricultura de precisão sem grandes investimentos em tecnologia?
André Nunes – Coordenador Técnico – A agricultura de precisão depende de tecnologias para aprimorar a produção, aumentar a eficiência produtiva e intervir somente onde é necessário. Essas intervenções pontuais diminuem custos com insumos, deixando os produtos mais competitivos no mercado. A expansão da agricultura de precisão é tendência nacional.
O investimento em tecnologia é algo contínuo. Porque a busca pela uniformidade na produção das lavouras é o estímulo para o investimento em tecnologia. A aplicação de sistemas e ferramentas modernas no campo possibilitam ao produtor ser mais assertivo nas intervenções e no manejo do solo dentro da área destinada ao cultivo, permite detectar os principais fatores que afetam a produtividade e a qualidade da planta e torna mais eficiente o uso dos insumos, evitando desperdícios e garantindo melhor resultado.
Pergunta – A pecuária é outro ramo do agronegócio impactado, positiva ou negativamente, pelos efeitos da crise da guerra. Qual é o principal desafio da pecuária para aumentar sua fatia no mercado externo de carne e suprir o consumo interno. A perspectiva de queda do dólar pode afetar muito as exportações de carne ou o câmbio é encarado como problema sazonal?
Eliamar Oliveira – Analista Técnica – O Brasil é autossuficiente na produção desta proteína, é o segundo colocado na produção mundial e já se consolidou como o maior exportador de carne bovina. O Mato Grosso do Sul cresceu 19% ao ano nos 24 anos de acompanhamento. Saiu de uma participação de 2% para os atuais 10% no volume que o Brasil vende para o exterior e ocupa a 4ª posição no ranking nacional. Essa evolução é reflexo do desenvolvimento e crescimento da atividade com investimento em sistemas produtivos que aumentou a produtividade e mudou o perfil dos animais produzidos. No Estado a participação de animais abatidos com idade inferior a 36 meses cresceu 69% nos últimos 11 anos e hoje representa 68% dos animais abatidos. A qualidade do produto nacional, a melhoria na renda e mudança nos hábitos de consumo de grandes países consumidores e o alto custo de produção em países concorrentes são variáveis que se sobressaem à volatilidade do dólar e não deverá inviabilizar a competitividade do produto brasileiro no mercado internacional.
Diante dos altos e baixos da taxa de câmbio, o estímulo do consumo interno é sem dúvida a melhor alternativa, tendo em vista que cerca de 80% do que é produzido no País se destina ao mercado nacional, portanto, maior a renda do brasileiro melhor será o consumo de carne vermelha.
Pergunta – Como o Sistema Famasul projeta o crescimento da produção agrícola nos próximos 10 anos. Há perspectiva de incorporação de novas áreas ao sistema produtivo? O Estado ainda tem áreas com valor agronômico em extensão maior que as áreas degradadas que podem ser incorporadas para a produção de grãos?
José Pádua – Gerente Técnico – A área destinada à produção agropecuária representa 69% do total de MS, sendo que a área agrícola ocupa 22% desse total.
Olhando pelo retrovisor, o crescimento da produção nos últimos onze anos ocorreu a partir da transformação de mais de 3 milhões de hectares de áreas de pastagens em agricultura e foi potencializada pela aplicação de tecnologia, que fez com que a produtividade crescesse 9,2% no mesmo período. Consolidando a rotação de cultura como técnica para melhorar a qualidade e recuperar solos degradados.
Para o futuro, vislumbra-se a manutenção desse crescimento pensando no remanejamento de áreas de pastagens, degradadas ou não, para a agricultura e floresta plantada, no investimento em ciência, tecnologia e inovação e com um fator adicional, o estímulo ao uso de sistemas integrados, como por exemplo, a Integração Lavoura, Pecuária e Floresta (ILPF). O MS está na vanguarda na adoção desse modelo, ocupa a primeira posição em área, com mais de 3 milhões de hectares.
Pergunta – O binômio boi-soja foi o fio condutor do processo de desenvolvimento econômico do Estado. Com a expansão do agronegócio e agregação de valores à produção, o cenário agropecuário ganhou outro contorno. Há estudos ou pesquisas sobre sistemas alternativos ou de diversificação da produção agropecuária?
André Nunes – Coordenador Técnico – A diversificação já vem ocorrendo como resultado não só de estudos e pesquisas, mas também de estímulos tributário, econômico e financeiro para atrair os agentes dos diversos elos da cadeia produtiva. O Estado já se destaca no cenário nacional com a produção de aves, de suínos e de peixe. Todas essas atividades são altamente intensificadas, sustentadas pelo uso de tecnologia e contribuem fortemente com o desenvolvimento do Estado na geração de empregos e divisas, já que o faturamento com as exportações cresce ano a ano.
Outras atividades com atuação mais tímida, porém não menos relevantes, estão sendo estimuladas. Hoje o SENAR/MS presta assistência técnica e gerencial para aproximadamente 5000 produtores que atuam na produção de mel, de frutas, verduras e hortaliças e mandioca. Todas elas com potencial de crescimento na escala de produção para possibilitar a comercialização e a geração de renda para as famílias envolvidas.
Existem vários estudos da Embrapa destacando a ILPF e ILP (integração lavora, pecuária e floresta; integração lavoura pecuária). Todos os estudos demonstram ganhos econômicos e produtos nesse processo. Os atores da pesquisa no Estado como UFMS, UEMS e fundações, também realizam pesquisa demonstrando os ganhos com os sistemas alternativos.
Pergunta – Há linhas de crédito e políticas agrícolas e de comercialização satisfatórias para atender as demandas do agronegócio em Mato Grosso do Sul? Qual o segmento mais rentável do agronegócio – primário ou agroindústria. O Estado tem infraestrutura e logística capaz de atender as demandas do setor?
Eliamar Oliveira – Analista Técnica – A cada safra o recurso para crédito rural no Plano Agrícola e Pecuário (PAP) aumenta. Na safra 2021/2022 o valor disponível foi R$ 251,2 bilhões, representou aumento de 6,3% em relação à safra anterior. Historicamente o Mato Grosso do Sul representa cerca de 6% do total de crédito acessado e nas últimas seis safras o valor aplicado cresceu 104%. Além dos recursos disponíveis no plano safra, os produtores sul-mato-grossenses contam com o Fundo Constitucional do Centro Oeste, que disponibiliza outras linhas de crédito. No ano de 2021 (até novembro) o total de crédito acessado foi R$ 1,8 bilhão, esse valor foi 12% superior ao valor de igual período de 2020.
Diante dos avanços nos volumes acessados e considerando que anualmente o cenário torna-se mais desafiador em razão da volatilidade nos preços, dos altos custos de produção e das recorrentes intempéries climáticas, o crédito rural é o principal instrumento de apoio ao produtor rural; desse modo, quanto maior volume de recurso disponível, melhor.
Políticas complementares devem permanecer como a gestão de risco que abrange a subvenção ao prêmio do seguro rural e o zoneamento de risco climático como forma de minimizar as perdas da produção e da renda dos produtores e evitar a renegociação de dívidas rurais.
O desenvolvimento das atividades e os novos patamares de produção conquistados pelo MS demandam infraestrutura e logística de qualidade para agilizar e tornar menos oneroso o fluxo de insumos e comercialização de produtos. Espera-se que o Estado siga investindo na recuperação de estradas rurais e rodovias e operacionalize a diversificação dos modais de transporte por meio de investimentos na Nova Ferroeste, Malha Oeste, novos portos, manutenção de calados nas hidrovias e a viabilização da Rota Bioceânica.
Todo meio de produção tende a lucro zero, devido a competitividade, oferta, demanda e inflação. Tanto o setor primário, como as agroindústrias, depende do volume e da comercialização para a sobrevivência. Se um dos lados tem prejuízo, o outro lado não consegue se manter, existe uma relação e um depende do outro. É errado pensar quem ganha mais.
Pergunta – Como a pecuária está se planejando para se tornar mais competitiva – qual o sistema de engorda que mais traz ganhos ao produtor, a pecuária extensiva ou o sistema de confinamento intensivo.
José Pádua – Gerente Técnico – Ao longo dos anos e mais especificamente nos últimos 5 anos, a pecuária se tornou mais competitiva com ganhos e eficiência na produção. A produção aumentou enquanto a área de pastagens reduziu, refletindo em aumento de produtividade na atividade.
Independentemente do sistema produtivo ou modelo de negócio adotado, é necessário que o produtor conheça os custos, avalie o nível de investimento e estabeleça estratégias de comercialização para que o valor de venda garanta retorno financeiro para a atividade.
Portanto, não existe receita capaz de dizer qual trará mais lucro, o mercado e o cenário mudam anualmente. E fatores como preço do animal de reposição e valor de insumos da alimentação do rebanho influenciam na decisão quanto ao sistema de produção adotar. Os dois podem ter lucros ou prejuízos nas safras.
Pergunta – Em termos de área e produção, qual a diferença de agricultura convencional mecanizada e agricultura familiar? Onde é o ponto de partida para a agricultura em escala comercial, embora a agricultura familiar também tenha o seu mercado (interno)?
André Nunes – Coordenador Técnico – Na agricultura convencional a produção ocorre em grandes áreas, em larga escala e altamente mecanizada. A agricultura familiar por definição é empreendimento com até quatro módulos fiscais, com mão de obra e gestão familiar. Ambas possuem sua importância na produção agropecuária para garantir o abastecimento das famílias brasileiras e mundial.
A agricultura familiar pode e deve se beneficiar dos avanços da ciência e das inovações tecnológicas para produzir de forma eficiente, com o desenvolvimento de atividade capaz de gerar volume de produção com potencial de competir no mercado em que está inserida. Os produtos comercializados pelos agricultores familiares podem destinar ao mercado privado como também podem ser adquiridos pelo setor público dentro do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
Existem alimentos que são produzidos somente pela agricultura familiar e que possuem escalas de agricultura convencional, um exemplo são as hortaliças e frutas.
Pergunta – Apesar da quebra na última safra houve um aumento real expressivo nos preços dos produtos agrícolas, o que de certa forma influenciou na alta da participação desse ramo do agronegócio no PIB. O aumento nos preços ocorreu em razão da lei da oferta e da procura ou foi influenciado pelo impacto da alta nos custos de produção?
Eliamar Oliveira – Analista Técnica – Em nível de Brasil as perdas na safra 2020/2021 ocorreram de modo generalizado nas safras de inverno. Em Mato Grosso do Sul a quebra de safra ocorreu no milho segunda safra, houve perda de 49% na produtividade e queda de 39% na produção quando comparado à safra 2019/2020. Além de sofrer com a quebra da safra, o produtor foi impactado com custo maior para plantá-la, houve uma alta de 8% nos gastos com os insumos. A combinação de menor oferta e alto custo, pressionou os preços para cima, mas as variáveis preço no mercado externo e taxa de câmbio também contribuíram para a valorização no preço do milho e das demais commodities, ambas estiveram em alta no ano de 2021.
Por Edmir Conceição/Subcom – GovMS